Comentário: Fundamentos No Artpunk e como isso não vai estragar seu jeitinho punk de ser. (fora do jogo)


Tenho visto por aí gente chateada com esse post antigo do PoN e traduzido pelo Dustdigger sobre os fundamentos na criação de aventuras priorizando o design clássico de desenvolvimento de módulos de dnd em detrimento das expressões artísticas que usam o dnd como válvula de escape. Isso é algo que infelizmente é muito visto hoje em dia. Vou tentar colaborar com a discussão fazendo alguns comentários sobre os pontos levantados no texto original. Vamos lá, mas... 

Antes de mais nada, é preciso esclarecer 3 coisas. A primeira é que o PoN é uma pessoa controversa pela forma que ele expressa sua opinião sobre diversos tópicos. Ele é provocador mas suas reflexões são provocativas. Então se o leitor tiver a resiliência de ver para além da superficialidade das provocações, tem como tirar bastante proveito no que ele diz. Se isso for impossível de fazer, que é ler o que ele escreveu para depois criticar, fica difícil manter uma discussão saudável.

A segunda coisa é entender que esse texto do PoN é para esclarecer sobre o que é o No Artpunk, não sobre o que ele não é. E a terceira (pra casar), é preciso explicar como e em quais circunstâncias esse torneio surgiu. Depois de anos vendo módulos que se diziam OSR e dnd ganhar prêmios e mais prêmios pela sua arte maravilhosa, seu layout moderno, às vezes até pela sua escrita perfumada e inspirada, mas nunca pela sua qualidade enquanto jogo; Depois de anos fazendo reviews desses ditos módulos que na prática não eram nada além do que belas manifestações artísticas não jogáveis, o PoN decidiu resgatar o método clássico oldschool de produção de aventuras de dnd através desse concurso, o No Artpunk, enquanto levantava questões sobre o que de fato era esse processo de criação utilizado pelos grandes de antigamente, sobre como era feito um bom módulo para o jogo clássico. Ou seja, ele incentivou a comunidade a produzir conteúdo jogável (pelos paradigmas clássicos de jogo) , usando as regras e mecânicas do material original, para pessoas que querem esse tipo de jogo usufruírem de suas qualidades em suas mesas. Pois até então, o que se tem visto nos últimos anos, são mestres tentavam rodar em mesa esses tão coloridos e premiados módulos modernos mas não encontravam nada de dnd ali (nada de OSR, nada de módulo jogável). Poderiam encontrar inspiração na arte, nas letras, nas mensagens ideológicas que tanto amam, mas não encontravam material jogável. Pronto, agora sim, vamos aos tópicos (Mais uma vez, é preciso ler o texto linkado para entender do que eu estou falando.): 0. Esse tópico é totalmente auto explicativo e eu acabei de tocar nesse assunto acima. O NAP é pra quem vê valor no jogo original e seus módulos e não quer comprar gato por lebre baseando-se em prestígios ventilados por certas premiações a certos produtos de rpg que se classificam como OSR e derivados mas que na realidade nunca foram isso. Então surge o concurso (que pelo visto funcionou, pois já está para entrar em sua quarta edição e já teve milhares de downloads.) 1. Mais um reforço de que esse torneio segue um propósito de abraçar o estilo e as regras originais para produzir novos conteúdos. Não se trata de bajulação, nostalgia ou rejeição ao jogo antigo. E sim reforçar o modelo original, é produzir novos produtos em cima desses valores (quase) perdidos. 2. A atmosfera e o método original de se aventurar é algo bem único. Os procedimentos, as inspirações, a progressão de jogo, é algo muito diferenciado dos outros modelos de jogo de aventura. E pra se conseguir produzir coisa nova, mas com os alicerces contidos nos módulos originais, não dá pra se desviar muito do método, pois algo se perde no caminho (não que seja ruim, só se corre o risco de ser um dnd ruim ou até nem ser mais dnd) 3. Aí é uma crítica sobre o que no fim mais interessa ao jogo. É literalmente jogar o jogo. Pra isso, o conteúdo tem que ser funcional, tem que ser jogável utilizando as regras e o estilo que se propõe. Colar o selo lá OSR e usar arte bonita pode vender, pode gerar belos videos e belas fotos, mas não produz boas mesas de dnd. 4. Aqui ele bate em oportunistas ou iniciantes que não sabem o que estão fazendo mas que propõem saber. Infelizmente, layout bonito, textos literários interessantes e belíssimas artes coloridas não enganam o mestre de dnd. Na hora que ele sentar para ler de fato o material, de ver como vai ser aplicado em mesa, vai notar o golpe.Vai perceber que foi enganado. Ele pode sair inspirado com as belas representações artísticas, mas não vai sair com um módulo de dnd., que foi o que ele em tese pagou pra ter em primeiro lugar. 5. O jogo clássico vai muito além de desafiar o jogador. dnd é o conjunto de diversos fatores igualmente importantes. E muitos dos dito módulos e aventuras do artpunk simplesmente desconhecem ou ignoram esses fatores. Eu sempre bato nessa tecla, para se ter exploração, a verdadeira experiência de aventura do jogo original, é preciso ter as ferramentas e aplicações dessa feita adequadamente no jogo. Além dos elementos que inspiraram originalmente dnd, o pano de fundo do apêndice N, a base fundamentada em elementos plausíveis, mas com toques de absurdo, de horror, de fantasia, de (isso mesmo) certo tom heroísmo e vilania. 6. Para se produzir conteúdo, precisa-se além de dominar o sistema, também entender como aplicá-lo enquanto dá espaço para os jogadores expandirem suas próprias possibilidades a partir das mecânicas já fundamentadas pelo sistema. Um módulo precisa ser flexível para não impedir os jogadores e ao mestre de também serem. 7. À medida que os personagens ficam mais poderosos, os desafios também precisam ser ajustados para se adequar a esse novo grau de habilidades dos personagens. o autor de um módulo de jogo precisa levar isso em consideração na hora de definir para que nível de personagem está sendo feito. "Equilíbrio de jogo? Que OSR é esse???" É isso mesmo, o jogador não precisa esperar que todos os encontros sejam especialmente equilibrados para seu nível, mas o designer precisa levar em consideração que o módulo seja jogável para aquela abrangência de níveis que ele propõe na capa. 8. Existem certos elementos que já são esperados em todo módulo de qualidade. Certas coisas são essenciais para garantir que o módulo seja digno de ser chamado de dnd. É normal esperar que o módulo seja abordado de amplas maneiras pelos jogadores para que eles não se sintam afunilados em apenas um jeito de solucionar seus desafios. E isso só é possível quando o mestre tem as ferramentas adequadas à sua disposição. Como mapas em hex com diversas possibilidades de locais para exploração quando o módulo se passa nos ermos; múltiplos caminhos/corredores a se seguir quando se trata de uma masmorra, com descrições bem feitas e criativas das salas, com encontros, quebra cabeças, armadilhas, tesouro, dando possibilidade aos jogadores de mexer em várias coisas e complicar ainda mais suas vidas, ou não; Facções e monstros inteligentes para os personagens poderem interagir se assim quiserem; além de rumores e missões diversificadas para o caso de precisarem de um pontapé inicial ou até no meio da partida para sentirem na prática o que é ter opções diferentes de desafios a todo o momento. 9. O jogador trabalha com o que tem. Ele monta a ficha com as rolagens que vieram, compra equipamento com as moedas que recebeu nos dados. O módulo não se preocupa como é o personagem do jogador, o que ele tem e como deve usar. Mas oferece possibilidade de recompensas para os ousados. O jogador precisa conquistar seu poder, ele precisa jogar o jogo e torcer para que aquela esquina que ele virou pra esquerda tenha o que ele precisa pra se fortalecer e conseguir enfrentar o monstro à direita que ficou lá atrás depois dele ter que fugir. O módulo precisa ter o necessário para se poder vencê-lo, mas é o jogador que precisa se esforçar para conseguir. Nada de ser premiado com xp só por andar a esmo para ver paisagens bucólicas por aqui. 10. Os procedimentos do sistema são um caminho que ajudam a garantir a experiência de jogo. Mudar um procedimento já muito testado e eficaz é um processo arriscado que deve ser feito somente por quem já conhece bem as mecânicas e sabe como elas funcionam em toda a sua versatilidade. Só assim é possível entender o que seria preciso ter em um novo procedimento para manter a qualidade do jogo. Não mexa com o que não conhece, pois pode colocar em xeque toda a estrutura do módulo. 11. Como também já foi tocado acima em outro momento, uma aventura bonita, colorida e bem diagramada não garante um bom jogo. O que garante o jogo é a aplicação de conhecimento prévio das regras e mecânicas, além da criatividade do designer na construção dos desafios. Layout, arte, textos cheirosos devem existir para enriquecer o método, não substitui-lo. 12. Que bom que você tem seu posicionamento político e adora usar camisas sobre isso e falar no barzinho e nas redes sociais também sobre, você ainda vai mudar o mundo, eu acredito nisso. E espero que faça a diferença votando em quem vai fazer acontecer no futuro para que você e todos os de bom coração tenham uma vida próspera e feliz. E que bom também que na sua mesa, com seus amigos, você injeta seus posicionamentos políticos no seu mundo de fantasia através dos diversos NPCS, deuses, procedimentos de ganhar xp e afins e eles adoram. Mas isso é algo pessoal seu e dos seus amigos. Se eles gostam disso, ótimo pra a sua mesa, divirta-se. Mas deixa isso na sua mesa. Isso não é algo universal, não é algo intrínseco ao jogo, isso não deve ser considerado como método de criar aventuras, pois isso por si só não agrega em nada ao jogo, sinto muito. Agora, se você na verdade não é designer, não é mestre, não é jogador de dnd, mas é ativista político e o resto é só um meio para se chegar a um fim, que é o de doutrinar novos seguidores, ignora o que eu falei, você está fazendo um ótimo trabalho. O objetivo do jogo é garantir a liberdade ao jogador de fazer suas próprias escolhas, de decidir por si só, sem prejulgamento do mestre, como vai reagir ao mundo de jogo. Se o mestre e/ou designer impor ao jogador sobre um jeito único e correto do mundo funcionar e um método único e correto de lidar com determinada situação, ele está descartando todo o propósito do jogo e tudo o que já foi discutido acima. Então, não faça isso. Não se quiser jogar dnd, pelo menos.

Comentários

  1. Parceiro, eu acho que essa relação que tu trouxe sobre política não faz nenhum sentido, pois política está intrinsecamente ligada aos jogos de RPG de mesa, pelo simples fato de que eles refletem e exploram as interações humanas, o poder, e as decisões coletivas. Narrativas de RPG frequentemente abordam questões como hierarquias sociais, opressão, liberdade e justiça. Em RPGs de mesa os jogadores tomam decisões que afetam grupos, governam reinos ou lutam contra injustiças, o que espelha a dinâmica política do mundo real, seja em forma de governança, alianças ou conflitos de interesse. Questões políticas surgem naturalmente como um pano de fundo desses mundos criados, mesmo que não seja o foco principal da história.

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    1. Opa, obrigado por ler o blog.

      Quando falei sobre política, eu não estava falando sobre o conceito geral do termo que se encontra no dicionário, eu estava citando (como abordei mais acima no texto e o autor no texto original fez referência, recomendo ler lá também) sobre o emprego forçado de ideologias políticas no corpo do texto da aventura. Sobre como determinados designers adoram definir em seus textos o que é certo e errado, o que é aceitável ou não moralmente em seu mundo imaginário. Isso sim, na minha opinião, afeta negativamente a qualidade de um módulo. Se você como mestre quiser colocar sua propaganda ideológica no jogo, aí é problema seu e de seus jogadores, vocês tem o total direito de fazer isso. Agora, implicar que todos os módulos tenham isso e que se o cara que comprou o módulo não quiser fazer isso ele não é bem vindo e deveria se envergonhar, aí sim eu sou totalmente contra.

      E sobre o que você escreveu, no contexto geral, eu concordo plenamente, política está em tudo mesmo. Agora, politicagem, demagogia e doutrinação, o lugar disso definitivamente não é nas boas mesas de dnd. Obrigado!

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    2. Discordo da ideia de que temas políticos em aventuras de RPG diminuem sua qualidade. RPGs, como formas de arte, refletem experiências humanas, incluindo questões políticas e morais, que podem enriquecer a narrativa. Todo jogo já carrega valores implícitos, e negar isso é ignorar suas influências culturais. Designers têm o direito de incluir esses temas, e os mestres podem adaptá-los conforme seu grupo prefere. Limitar os RPGs a um "espaço sem política" reduz sua profundidade criativa e narrativa.

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    3. Primeiramente, preciso esclarecer que meus pontos nesse texto concernem o jeito antigo de jogar dnd, não é para todo e qualquer rpg. Pelo seu vocabulário parece que é alguém que está falando sobre rpg em um contexto geral.

      Dito isso, eu não disse que o jogo não deve ter questões políticas e morais. O que eu falei foi que o designer não deve impor sua visão de mundo individual (e isso inclui ideologias políticas) na sua arbitragem e na maneira que o jogo deva ser jogado. Essa escolha deve ser do jogador, o designer não deve pregar esses valores como o correto na aventura/módulo que ele está vendendo. Um bom módulo precisa ser amoral e o mestre deve ser ausente de seus valores individuais na hora de mestrar. Um jogo deve ser um jogo, sempre. Se a escolha do jogador foi ruim, se a rolagem confirmou isso, ele deve ser penalizado, mas não pelos valores individuais do mestre ou do designer, mas sim pelo fato da decisão do jogador ter sido objetivamente ruim.

      E eu não vou entrar em detalhes como subjetividade humana, como questões sociais, psicológicas e etc aqui pelo fato de que isso vai virar um poço de retórica e meu objetivo aqui é falar sobre o jogo de dnd. Eu levo em consideração o jogo e nada mais. Então, como árbitro de jogo que consome módulos de dnd, eu recomendo que você seja consciente e faça o máximo para ser neutro em sua arbitragem, os jogadores agradecem.

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