Você joga RPG errado?


Há críticas na internet de todos os tipos. Todo mundo vira especialista ou tem uma opinião assim que tem acesso a um celular ou teclado. E a maioria não resiste em compartilha-la com o mundo. Esse blog é um exemplo disso. Nada mais justo do que você ter uma opinião, ela ajuda a te definir como indivíduo. Mas estar certo sobre algo vai depender de muitos fatores. E especialistas de fato, esses são raros. 

Em RPG de mesa opinião é mato. Todo mundo tem uma e muitas vezes são opiniões inflamadas. Alguns ousam dar carteirada sobre tempo de mesa, sobre blog de algum gringo que disse que o jogo deve ser jogado dessa ou daquela maneira, mas não fazem o básico que é ler o livro do sistema para fundamentar o que dizem nas redes. Isso tudo é muito comum. E quando leem, tentam distorcer o que está escrito apenas para ganhar no argumento, para dizer que você está jogando errado.  

Mas então, você joga RPG errado? Resposta curta. Não. 

Não existe forma errada de jogar RPG. Quem diria, que resposta clichê, amigável que você vê todo dia em todos os lugares de discussões sobre RPG, mas que não acrescenta absolutamente nada á discussão.

Pois bem, faremos diferente. 

Não existe jeito errado de se jogar RPG, realmente. PORÉM, existe maneira equivocada de anunciar como você joga RPG. O que isso quer dizer? Que você provavelmente está anunciando errado seu jogo. Está vendendo gato por lebre, está dizendo que o jogo vai ser uma coisa e na prática é outra completamente diferente. Quem nunca passou por isso? Viu o coleguinha chamar para jogar, criou altas expectativas sobre como seria o jogo baseado no que ele falou, mas chegou lá e foi um porre? Ou talvez até o contrário, pareceu meia boca mas foi até legal e completamente diferente do esperado?

Veja bem, todo mundo considera seu jeito de  jogar como ideal. Se não consideram, elas almejam um ideal para seu jogo. Seja lá aonde e como construíram esse ideal, ele existe. E não tem absolutamente nada de errado nisso. Cada um possui seus gostos, consideram certas coisas melhores do que outras. Perfeitamente normal. E individual. Mas não é tão simples quando você quer estabelecer limites e produzir definições que orientam o coletivo. 

 Todo mundo prefere um jeito de jogar. Pessoas podem chamar o jogo de RPG do que quiser, o termo já foi tão re-significado durante as décadas que hoje significa qualquer coisa. Então, na prática, você não joga errado. Você joga do jeito certo que foi planejado para sua mesa, com seus amigos (ou conhecidos) e é perfeito em sua maneira única de ser, como um belo floco de neve rodopiando pelo vento de inverno que está longe desse verão. 

Mas a questão não é seu jeito certo de jogar na sua mesa. A questão é como você define esse jeito seu para os outros. E isso precisa ter nomenclaturas comuns que as outras pessoas reconheçam no dia a dia.

 Sistemas de jogo de RPG, em teoria, te ensinam a jogar, certo? Lá tem as regras, tem como você deve usar cada mecânica, em quais circunstâncias e te explica quais estilos de jogo aquele sistema suporta. Existem muitos designers sem vergonha que falam que o sistema dele serve para qualquer coisa. Mentira. Existe tanto tipo de RPG hoje que isso é simplesmente impossível. Mas tem como brincar de faz de conta e usar um sistema como uma bengala para a sua linda voz narrando os eventos à medida que os jogadores rolam um dado? Sim, não só é possível como ouso dizer que é usado e abusado. O que mais se vê são micro sistemas que quase nada possuem em questão de regras e mecânicas mas que seus entusiastas gritam aos quatro ventos que o sistema suporta campanhas longas. Investigação, romance, combates estratégicos, erotic fantasy e etc. Mas claro que suportam, confia. Mas na sua mesa, no seu jeitinho narrativista de ser. Você vai compensar as faltas do sistema com sua experiência com outros jogos, com seus rulings, com seu irretocável julgamento do caso a caso. Mas na prática, não é o sistema trabalhando, é você compensando o que falta com sua fumaça e espelhos de mestre. Dando ilusão de uma coesão que não existe no material. 

Pois bem. O sistema diz suportar certo estilo de jogo, daí ele esclarece ao leitor como é esse estilo de jogo. Isso é muito importante. Sem um estilo de jogo predefinido, com o que é esperado acontecer em mesa, seus procedimentos, o mestre e jogadores ficam à deriva. Logo, é de extrema importância entender que estilos existem e qual você vai adotar. O estilo é uma bússola que a comunidade se guia para indicar seus usuários para onde ir caso queiram essa ou aquela experiência de jogo. Sem essa bússola, você só depende exclusivamente da fantasia e delírio de cada um de achar que RPG deve ser jogado desse ou daquele jeito, vai ter que testar um por um dos mestres, ter sorte dos jogadores estarem alinhados e enfim aproveitar uma boa sessão. Ou seja, é muito trabalho pra algo dificílimo de dar certo. 

Por isso os estilos de jogar devem ser bem definidos e respeitados. Com isso, você já sabe o que esperar da mesa, já sabe como se comportar no jogo, já entende qual o propósito daquele RPG com aquele grupo e aquele mestre. Mesmo sem conhecê-los previamente, já se espera algo que já é de comum acordo. E não, sessão zero não garante nada disso. O primeiro elemento é entender qual o estilo, o segundo qual sistema usar e só depois, se tiver alguém com necessidades especiais na mesa, ferida para além do corpo, aí sim, uma sessão zero para tranquilizar a todos sobre seus limites e traumas pode ser útil. 

Mas, voltando ao ponto, um estilo de jogo precisa ser bem definido, bem delineado para os jogadores saberem o que esperar do seu jeito certo de jogar RPG na sua mesa. Quando alguém fala que tal estilo pode ser qualquer coisa entre o céu e a terra, ele está sendo improdutivo. Mas eu acredito que isso não seja feito por maldade, acredito que seja apenas dificuldade em entender que há diferenças significativas entre como você decide jogar sua mesa e como, para orientação da comunidade, um estilo é definido, uma nomenclatura existe. Então, quando o mestre ler o sistema e o estilo for apresentado a ele, tudo "clica" e faz sentido. Ele vai conseguir entender o que o designer propõe com determinada mecânica e como ele supostamente deve se comportar em mesa para alcançar o potencial do jogo. Se existe mecânica de exploração de ermos, de dungeon, se a contagem de tempo é importante, o gasto de recursos, é pelo fato de que o jogo espera que esses elementos sejam usados em jogo e o estilo de jogo vai reforçar o uso desses recursos. Mas e se o mestre quiser ignorar isso tudo e fazer do jeito dele, você diz que não? Claro que não digo, claro que ele pode fazer o que quiser, pois não existe jeito errado de jogar RPG, mas na sua mesa. Na do resto das pessoas que adotam aquele determinado estilo para extrair todo o potencial do jogo,  existe jeito errado. De anunciar a mesa, de discutir o que é possível ou não no jogo e como qualquer mudança, especialmente as drásticas, podem alienar a comunidade em torno dele.  

Você pode jogar do jeito que você quiser, mas não pode querer  fazer revisionismo de determinado estilo já fundamentado a anos anteriores só pelo fato dele não ser do jeito que você quer. Não funciona assim. Se você discorda do que o estilo representa mas quer algo parecido, você vai ter que criar o seu estilo. Não tem utilidade alguma em simplesmente começar a dizer que aquele estilo sempre foi o que não é só porque você quis. Você vai alienar as pessoas dessa forma e mentir para si mesmo. Não tem problema dizer que sua mesa almeja algo parecido com aquele estilo mas que não o é, talvez você realmente esteja sendo super original e o que você quer ainda não exista. Mas talvez seja só narrativismo que você queira e, a título de exemplo, o OSR não vai cobrir isso. E está tudo bem, não é mesmo? 

Então, saiba anunciar sua mesa de forma correta, diga a seus amiguinhos que vai jogar determinado sistema, mas que não vai jogar no estilo proposto por ele, não é pecado falar a verdade. Seja sincero com seu grupo, eles podem se divertir com seu jogo, na sua interpretação, sem necessariamente curtir o jogo em determinado estilo. Mas não minta para eles. E mais uma vez, a título de exemplo,  não diga que está jogando OSR se você não vai usar das mecânicas e fundamentos que o Oldschool propõe e que foi resgatado a mais de 20 anos atrás (como o tempo passa rápido) para novos jogadores usufruírem agora o que os jogadores oldschool de D&D já usufruem a 5 décadas . 

E para finalizar, (re)leia esse texto cômico sobre carros. Se antes ele não fez sentido, agora definitivamente vai fazer. 

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