D&D e videogame (Combina?).

 



Mais um daqueles dias em que eu tento jogar videogame mas que eu queria mesmo era jogar RPG. Como não dá para fazer nenhum dos dois hoje, bora fazer um texto aleatório e postar sem editar (Como de praxe). 

O Hobby é cheio de inspirações e referências advindas de outras mídias. Sempre foi assim, desde o princípio. O que seria de D&D se não fossem os contos weird, pulp, S&S e derivados que inspiraram gerações de designers, mestres e jogadores? O que seria de AD&D sem o Appendix N? Seria muito mais sem graça, isso é fato.

Assim como seriam os videogames sem D&D. Muitos designers de jogos eletrônicos pelo mundo se inspiraram em D&D para produzir seus jogos. Muitos conceitos hoje básicos de jogos eletrônicos vem de D&D. Tão básicos que eu nem preciso citar aqui. Basta apertar o play que você se depara com vários conceitos que pareceram que brotaram do éter, mas que na verdade vieram foi de D&D. Lembro quando tudo ainda era contido nos ditos CRPGs(computer RPG) mas que com o passar dos anos invadiram todo e qualquer gênero de jogo eletrônico. Até em futebol hoje você pega classe e evolui de nível. 

O ruim é que hoje em dia (já faz décadas, na real), a  ordem dos fatores se inverteu. Videogame virou inspiração para D&D, não só nos elementos básicos de cenário, mas também em como as regras funcionam. Muita gente reclama que a 4e foi o cúmulo do absurdo por querer emular MMORPGs(jogo massivo online multiplayer de RPG) e não nego que isso aconteceu. Mas desde a 3e já havia queixas entre os hobbystas de  que a ideia de querer codificar todas as ações dos jogadores em mecânica de jogo era coisa de videogame. Não é sem motivo que, na minha opinião, a 3e é a melhor edição para ser usada em videogame. Muitos jogos bons foram feitos usando essa engine. Pois é uma engine que permite codificar as mecânicas de jogo em aperto de botões na interface de um computador. Depois da 3e foi possível passar lábia em um NPC apenas apertando um botão que simulava uma rolagem de perícia. Isso foi sensacional. Mas não no RPG de mesa, pelo menos. 

Com a 5e isso ficou menos evidente, foi tentado uma volta às origens, tentando atrair velhos jogadores com filhos novos. As mecânicas detalhadas foram amenizadas e o jogo de mesa ficou popular mais uma vez. Não que a 5e fosse algo simples de jogar, mas era mais manuseável que a 3e em diversos aspectos, ainda mais se considerar todos os suplementos que haviam para aquela edição, adicionando mais e mais complexidade ao jogo. E engraçado que a 5e vem em um momento em que as pessoas estavam mais conectadas no mundo digital do que nunca e mais de uma década depois, tudo só piorou. Hoje todo mundo tem um gadget e mal sai dele para viver. E D&D lá indo contra a corrente. Não por muito tempo. 

Todo mundo sabe dos dramas que rodeiam a WOTC hoje em dia, suas escolhas feitas por executivos que nem sabem o que é o jogo, mas sabem muito bem o que é dinheiro e investidor. Muita grana foi e ainda está sendo investida em projetos que nada tem a ver com RPG de mesa. Até estúdio de cinema fizeram (e já fecharam). Mas parece que o interesse deles não está no jogo, mas sim no lucro. 

Daí esses dias eu vejo o anúncio (muito esquisito, por sinal. Prefiro esperar saber mais para ter certeza) que o app que a WOTC estava desenvolvendo foi cancelado. E esse VTT parecia que iria revolucionar D&D, fazer o videogame abraçar o tabletop de uma forma libidinosa e obrigar a gente a ver. O gamer seria o usuário voyeur nessa relação. Mas pelo visto miou. Mas certamente ela não vai desistir, BG3 (Baldur's Gate 3) foi um sucesso estrondoso, vendeu demais. Não graças à WOTC, diga-se de passagem, mas sim ao estúdio por trás do jogo eletrônico (Larian) e da marca que o precedia (Baldur's Gate TM). Então não me surpreenderia que um BG4 apareça por aí não demora muito. 

Mas isso pouco me interessa. 

Não que BG3 tenha ficado ruim, não ficou. Mas não ficou bom também. Em diversos aspectos, não é o BG que eu conhecia e não é o D&D que eu conheço. Além da trama não me apetecer (Larian nunca foi famosa por fazer bons roteiros) as mecânicas de exploração, escolhas narrativas e combate não foram o suficiente para esconder as escolhas ruins de design que fizeram. Mas como sempre, isso é opinião pessoal, além de eu não estar aqui para fazer review de videogame. Toco nesse ponto para lembrar de algo que digo e repito sempre em mesa de RPG. Videogame não consegue, até hoje, mesmo com toda a tecnologia impressionante e os bilhões de dólares envolvidos em sua manutenção, substituir o que o D&D de mesa traz. Pelo menos não o que o D&D clássico traz. 

E não falo dos méritos batidos como a  interação com os amigos, os roleplays teatrais, os improvisos formidáveis e etc. Todos são válidos, não me entenda mal. Mas para mim, o que o computador ainda não supera é a riqueza mecânica que D&D carrega em seu DNA. São diversos subsistemas que se entrosam tão bem que seu conjunto vale mais que suas partes. É uma ferramenta que dá possibilidade de criatividade infinita se tornar palpável em suas regras. Nenhum jogo eletrônico consegue fazer isso até hoje. Há muitos que fazem partes disso bem, mas nenhum faz seu todo, nem de forma medíocre. Há jogos em que o combate é tático e meticuloso, há jogos em que a exploração de dungeons e labirintos é fenomenal (poucos, mas há) Outros tem paisagem em ermos a perder de vista (inclusive jogo mundo aberto gigantesco é moda hoje e deveria passar)), há jogos em que as escolhas interativas são ricas em causa e efeito, há jogos em que há uma diversidade infinita de monstros, items mágicos diversos, poderes mágicos impressionantes. Mas nenhum jogo consegue combinar isso tudo e muito em algo fluido, coeso e divertido. Não há máquina (seja financeira ou eletrônica) capaz de fazer isso hoje. Talvez amanhã com a loucura que está sendo o desenvolvimento das IAs, mas não hoje. 

A própria interface de um jogo eletrônico é incompatível com RPG de mesa e vice versa. Outro dia estava lendo um RPG que se inspirou em videogame e a ficha parecia uma interface de diablo. Um pesadelo cheio de quadrados para colocar tokens de item e botões minúsculos para escrever habilidades. Até um espirro que o personagem dava era registrado por um botão que exigia uma rolagem e uma equação matemática. Habilidades com cooldown, dano de arma que dá vários dados de dano e assim por diante. É um pesadelo aplicar isso em jogo analógico. Você vai ficar imprimindo tokiens, comprar vários kits de dados, registrar cada momento de jogo na ficha imensa de personagem, rolar dado a cada interação como se fosse apertar um botão? Boa sorte. Só de pensar nisso me dá gastura. 

Por essas e outras eu não entendo o desespero que há em querer copiar jogo eletrônico em RPG de mesa. O lado da empresa eu até entendo, é ganhar dinheiro e copiar quem ganha dinheiro te dá dinheiro, correto? Nem sempre, como a Hasbro tem descoberto. Mas especialmente não entendo jogadores e mestres querendo copiar jogos eletrônicos em suas mesas. Vejo muito perguntas online do tipo "como deixar meu jogo mais no estilo Dark Souls?" ou "Qual sistema posso usar para uma mesa estilo Darkest Dungeon?". Isso é diário. E não me faça começar a falar sobre as diversas mesas que aparecem inspiradas em anime, essas são as mais engraçadas. Não que anime seja terrível (sim, na sua maioria é). Mas geralmente são mesas tão mirabolantes sem fundamento mecânico em algum sistema funcional que é impressionante. No fim deve ser só juntar uma galera que é fã para contar histórias. Mas esse é um lado de RPG que não entendo e provavelmente sou abençoado de não querer entender. 

 Mas, brincadeiras à parte,  parando para pensar, faz sentido tocar nesse ponto. Eu acredito que o que inspira as pessoas em RPG são o que elas consomem. Se o público só consome videogame e anime, é claro que as mesas vão se inspirar nisso. Entendo o apelo, essas obras passam uma experiência divertida que você quer aplicar com seus amigos do seu jeito em sua mesa. Faz todo o sentido se parar para pensar. Mas será que precisa ser assim? Será que realmente compensa? Nada contra o fulaninho gostar de um universo seja de qual mídia for e se inspirar nele para criar sua mesa. Mas a busca para tentar emular uma mídia em outra parece algo impossível, por diversos motivos (tantos que acho que merece outro texto). Nem Gygax fez isso com D&D.

A genialidade não está em copiar, mas adaptar e aplicar os elementos originais e interessantes que tem em uma mídia, em outra. Assim como um livro precisa ser mudado o suficiente para fazer sentido no cinema, ou elementos de uma obra literária precisa ser codificada em mecânicas em um RPG de mesa, videogames precisam ser altamente modificados para fazerem sentido em mesa de jogo. Muitas vezes precisam ser tão modificados que ficam irreconhecíveis e perdem o propósito. 

Então eu penso que não vale à pena. Nem é porque eu não goste de videogame. Eu gosto. Inclusive já joguei até demais e ainda jogo. Mas sim pelo fato de que são mídias diferentes, que sim, acabam que se esbarram aqui e ali, mas já são suficientemente maduras  e seguiram caminhos opostos e são completamente independentes uma da outra. E isso é ótimo, tem hora que eu quero jogar coisas diferentes em momentos diferentes, de forma diferente.  Existem jogos eletrônicos muito bons inspirados em D&D, mas nunca vi um D&D bom inspirado em videogame (de novo, opiniões). Além de que, o mercado de jogo eletrônico está tão saturado que não vejo como algo positivo possa sair em ficar copiando como ele funciona (ruim para o hobbysta, mas provavelmente bom para os acionistas. )

Então, por fim, acredito que jogo eletrônico deve muito mais a D&D do que D&D a ele. Assim como D&D deve muito aos contos que o inspiraram, sem falar na sua dívida mecânica aos Wargames. Não estou aqui pregando uma revolução contra as máquinas (nem contra os animes. Mas até que essa última não é má ideia). Também não me importo se sua mesa de Naruto vai ser postada ou não.

 Meu interesse, portanto, foi de comentar sobre uma observação que fiz quando me saturei de 3e/5e e quando vi as críticas à 4e. Videogame é, sim, bastante interessante, mas D&D é outra coisa. Dependendo do clima do momento, muito melhor. Em outro momentos, só diferente. Inclusive, tem vários jogos eletrônicos, tanto clássicos como recentes, que valem muito à pena (postarei sobre alguns exemplos no futuro). Mas uma mídia nunca irá substituir a outra. Videogame nunca irá substituir o bom e velho D&D clássico. E nem deve. Então, bora se inspirar no Apêndice N e similares. Bora ler mais para enriquecer nossas mesas. E deixar o jogo eletrônico pra matar a saudade quando não der para jogar o D&D de "verdade". 

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