Sobre Mesa Paga (Comissionada, como diriam os Gourmets)


Mais um tema polêmico para os leitores de coração frágil. 

Mesa paga, ou como dizem os gourmets, comissionada . Por que falar disso?

Então, esse é um dos tópicos de RPG geral que menos me interessa e que eu nem tinha ouvido falar em OSR e derivados. Sim, tem os cursos técnicos pagos sobre estilos de RPG dados pela mais alta classe de gurus tupiniquins sustentados por suas claques (sério, eu não consigo escrever isso sem rir), mas tirando esses casos excepcionais que a gente vê em pleno 2025, eu nunca tinha visto mesa paga de OSR. Até ontem. Então acho que vale pelo menos uns "breves" comentários. 

Vi recentemente uma mesa OSR paga. Fiquei chocado. E intrigado. Talvez por ingenuidade minha, eu não achava que um estilo tão nicho de jogo com demandas tão diferentes do RPG mainstream teria esse tipo de público. Mas daí eu lembrei o tanto de oportunista que tem no hobby, o tanto de gente que valoriza mais a imagem do que o conteúdo e  que usam diversas facetas para arrancar dinheiro dos incautos vendendo ar purpurinado. Daí eu me toquei. Faz sentido.  Não digo que mestre pago seja oportunista por natureza. Não acho que sejam maioria, pelo menos. Mas se há oportunidade, há golpe. E há muito golpe nesse tipo de oferta. 

Só para tirar o elefante da sala, já digo de cara a minha opinião resumida sobre mesa paga: Não tenho nada contra. Cada um gasta seu tempo e seu dinheiro da maneira que quiser. Não faz mal e não é ilegal? Vai fundo. Aproveite o dia. Mas também não tenho nada a acrescentar a favor. "Então para que diabos perder tempo com um texto se você é tão nem nem assim?" Você que faz parte da minha claque de fãs anônimos que adoram me elogiar, pergunta. Como nada é tão simples na vida, preciso elaborar. 

A vida está difícil, a economia vai de mal a pior, o mundo acabou em 2012 (e acaba todo ano, porque existem mais profetas de fim do mundo do que existem datas para o mundo de fato acabar) e o futuro é incerto. Nada melhor do que tirar uma graninha quando possível desde que seja de forma honesta, não é mesmo? Sim, faz sentido. Se você precisa de grana e consegue tirar um extra mestrando RPG e você realmente gosta disso, boa sorte. Há demanda, então tem de haver oferta. 

A questão que eu acho que vale à pena questionar, no entanto, é o tipo de demanda e a qualidade da oferta. Mestragem de RPG não é profissão regulamentada e dificilmente será. Então é complicado exigir qualidade e mais ainda se preparar de acordo para atingir tão almejada qualidade  para que seus fregueses achem que seu dinheiro foi bem gasto. Eu entendo quem realmente se esforça para produzir uma mesa paga "boa". E por boa, digo aquela em que o mestre se prepara bem para dar uma experiência decente ao usuário. E por preparo, digo sobre a competência que o mestre tem em oferecer ao usuário o que ele procura. Que é o principal ponto do texto. Saber separar qualidade das aparências. 

O que se vê muito online nas redes é gente ofertando mesas espalhafatosas com vários gimmicks brilhantes, uso pesado de VTT e promessas de narrativas profundas e emocionantes. Isso parece trailer de filme hollywoodiano. Tem gente que gosta? Tem. É popular? Não faço ideia, mas provavelmente sim. Toda demanda de mesa de RPG é assim? Não. Se fosse, eu não jogaria RPG.  

Se esse tipo de postura veio de youtubers, streamers e atores fracassados de hollywood, não vem ao caso. O que não fica claro com esse tipo de oferta é a competência do mestre. Ser ator, diretor, DJ, graphic designer, locutor, escritor renomado, não te faz ser um bom mestre. Competência em RPG de mesa é algo muito abstrato. O que é um excelente mestre para alguns, pode ser  sofrível para outros. Fica difícil estipular uma linha segura de competência em mestragem. Há várias questões envolvidas quando se avalia a qualidade do serviço de um mestre de RPG. 

Ele conhece bem as regras? Sabe aplicá-las? Ele sabe interpretar o módulo pronto que utiliza dentro de sua proposta original? O módulo é autoral? Ele sequer sabe fazer módulo dentro da proposta do sistema que ele escolheu? Ele realmente domina o estilo de jogo que está propondo? Ele sequer sabe o que é estilo de jogar RPG e que existem vários? Ele sabe lidar com grupos? Sabe lidar com jogador problemático? Sabe o tipo de mesa que vai mestrar? Vai ser realmente um jogo ou apenas uma historinha a ser contada para agradar o freguês com sucessos instantâneos? Como é seu estilo de mestragem, ele tem formação em teatro? Ele faz vozinha? Ele tem boa dicção para eu conseguir entender o que ele fala? Etc. 

Quando o serviço é gratuito, todos estão ali brincando. Pelo menos em teoria, não existe o peso sobre o mestre em entregar algo perfeito, nem algo que seja bom para ótimo. A gente aceita jogador ruim, porque não aceitaria mestre ruim? Claro, tudo tem limite, mas a tolerância do brasileiro é alta. No fundo as pessoas sabem que aquilo é um jogo, uma brincadeira. Então fica fácil deixar passar muitos erros. Todos estão aprendendo, seja de um lado da mesa, seja de outro. Mas isso tudo muda quando se contrata um serviço. A tolerância ao erro muda, a pressão muda. Já não é mais lazer, é trabalho. 

Quando você paga (uma miséria que seja, chegaremos lá) você vira patrão. As exigências se potencializam e os erros ficam mais evidentes. Não há propaganda pré jogo que segura um mestre inadequado, incompetente, ou até os que estão na linha do razoável. Sim, há pessoas que aceitam um serviço meia boca por um tempo, mas por quanto tempo? E que qualidade de tempo gasto é essa sendo que você poderia estar fazendo outra coisa de graça? E esse mestre vai aceitar feedback? De verdade. Não é dizer que está aceitando só para pagar de assertivo mas na prática nada mudar. E deveria mudar? Vai que esse é o estilo do cara e ele está confortável com isso? Mas você está pagando, correto? Então não tem ele querer. Ele tem que se adequar aos desejos da mesa. 

Mas não é o que todo mestre deve se propor, se adequar aos desejos da mesa? (KKKKK) Claro que não. Vai depender da demanda, como falei. Tem gente que quer que o mestre controle o mundo com o punho de ferro, outros querem que o mestre satisfaça desejos molhados do jogador que quer ser aquele herói de anime por algumas horas na semana. Então não existe receita mágica para uma boa mesa paga. 

Pagar não garante nada, infelizmente. E pior ainda é que muita gente que entra nessa empreitada de ser mestre pago não entende as complicações descritas acima, ou não se importam. Tem muito cara de pau. Não vou dizer que não exista gente bacana, competente, assertiva e que se diverte trabalhando. Mas a julgar pela maioria dos anúncios que vejo e como é a interação desses "profissionais" com o público, eu me questiono se é esse o caso. Já é difícil achar gente que entenda qualquer coisa sobre RPG, hobbysta ou "profissional" de rede social, quem dirá alguém que decide cobrar por sessão. Tem que confiar muito. Tanto em si mesmo, quanto o serviço que oferece e o preço que cobra por esse serviço. 

Que aí já entra em um ponto complexo. Preço. 

O que é caro ou o que é barato em se tratando de mesa paga? Opiniões variam. Já vi gente falando que pagar 30 reais por sessão por cabeça é barato, já vi gente falando que pagar 15 reais por mês é caro. Tem de tudo. Mas, sinceramente? Nunca vi um valor que pareça suficiente para o esforço. Quem trabalha por hora não deveria receber tão pouco, isso é fato. Então me questiono do porque cobrar isso em primeiro lugar? É muito pouco para se sustentar com isso. É ainda menos para viabilizar o tempo investido. Talvez como uma ajuda na renda, se a pessoa trabalhar com outra coisa. Mas, sinceramente? Vale à pena comprometer seu lazer por uma merreca a mais? Não sei. "Cada um, cada um", como dizem. Só sei que é algo curioso de se observar.

Mas até então parece que eu não estou sendo honesto, porque eu disse lá em cima que não tinha nada contra mas só coloquei pontos negativos, correto? Sim, pois é. Mas há pontos positivos que vejo serem levantados e que realmente fazem sentido. 

Muita gente se queixa que não tem horário flexível e que só conseguem jogar naquele dia, naquela hora. Isso é relevante, então nada mais justo do que pagar alguém para jogar no horário que você quer. Outro ponto é a tal da demanda. Tem jogador que simplesmente não aceita que o mundo de jogo seja algo colaborativo e que seja apenas facilitado pelo mestre. Os jogadores querem ser o que quiserem e querem para ontem. Querem que o mestre garanta satisfação imediata ou o seu dinheiro de volta. Mais uma vez, nada mais justo. Se você quer um empregado que satisfaça seus desejos, tem mais é que pagar mesmo. Tem gente que adora um espetáculo. O mestre precisa fazer curso de dramaturgia para estimular as mais intensas emoções nos jogadores, toda sessão. Mais uma vez, pague o aluguel. Tem gente que quer som e imagens como de um videogame com todas as animações e efeitos em top 3d em jogo. Esses recursos são caros mesmo, então pague. Tem gente que quer jogar aquele sistema específico, aquele módulo específico, querem o mestre afiado em ambos e nunca acham alguém para mestrar aquele material, naquele momento, com competência. Ok, então esteja disposto a  pagar. 

E tem um argumento que eu acho que não cola muito, que é o de dizer que quando se está pagando, se leva mais a sério o tempo do outro. Isso pode até ser verdade em alguns casos pois infelizmente faz parte da nossa cultura achar que pagar por algo é garantia de qualidade superior. Mas a realidade é diferente. Tempo de qualidade é tempo em que as pessoas passam juntas fazendo o que gostam, respeitando uns aos outros. Não tem a menor lógica precisar pagar para isso. A nossa relação com o dinheiro pode provocar esse ar de seriedade e comprometimento? Sim, pode. Mas não deveria ser assim. Respeito deveria ser algo gratuito, não algo relacionado a valor monetário. 

Eu pessoalmente nunca paguei para jogar e certamente jamais o farei. Mas a realidade é que muita gente gosta e recomenda. Quem sou eu para julgar. Além do fato de que esse não foi um texto para fazer ninguém mudar de ideia. Também não é propaganda para te fazer escolher um lado ou o outro. Foi apenas um comentário leigo para encher linguiça em uma semana lenta. Papo de blog. Só espero que, seja você mestre ou jogador, reflita sobre como você valoriza seu tempo e o do outro, quanto você acha que esse tempo vale e se esse valor realmente precisa ser em dinheiro vivo. 

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