O que diabos é #BrOSR ? (Não, não é HueOSR. Nem é a mesma coisa que CAG)

 




Você deve estar se perguntando nesse momento porque eu estou aqui de novo falando mal de OSR brasileiro. Não, dessa vez não. Por incrível que pareça, brasileiro não tem culpa nenhuma dessa vez. 

Em meados de 2022 +- eu comecei a ver pelas interweebs afora (Discord, mas por informação de segunda mão, de algo que estava bombando no Twitter). Logo, eu simplesmente ignorei, porque todos sabemos o tipo de coisa que vem de lá (antes e depois de mudar o nome, para mim nada mudou.) E para nenhuma surpresa, esse assunto persistiu especialmente pelos dramas de seus autores (que não é pertinente para esse post). Mas depois que a poeira abaixou (mais especificamente ano passado, logo depois de fazer o JACA), eu decidi olhar mais sobre os fundamentos da coisa por trás da cada vez mais enfadonha guerra cultural ( que já perdeu a graça faz uns 5 anos),   e não é que a a proposta de jogo dos caras é interessante? 

Pois bem, o que diabos é #BrOSR e porque você não precisa ter vergonha em achar interessante?

O BrOSR,  ou “#BrOSR”, como costuma aparecer no Twitter,   é uma vertente (pode-se dizer isso) do movimento OSR que se propõe a jogar D&D “como Gygax realmente pretendia” (Eu sei, mais um que diz isso, mas vamos lá, persistência). O principal autor por trás do projeto, o Jeffro (não pesquise agora, vai por mim), dentre outros asseclas, dizem, sem rodeio: “o BrOSR é o D&D de verdade”. A ideia é resgatar um estilo de jogo que se perdeu com o tempo, quando o RPG virou algo mais narrativista, episódico e centrado em historinhas contadas pelo mestre. Em vez disso, o BrOSR encara o jogo como um wargame, um mundo em movimento que continua girando mesmo quando os jogadores não estão em mesa.

A base de tudo é o pregado pelo Gygax no DMG, o tempo 1:1, ou “Jeffrogaxian timekeeping”  um conceito simples, mas que muda completamente o ritmo da campanha. Um dia no mundo real se equivale  um dia no jogo. Isso parece esquisito e impraticável no começo, mas faz total sentido dentro da proposta. Impede que os personagens virem semideuses em duas semanas de jogo e permite que o mundo evolua de forma lógica. Se um grupo está explorando uma masmorra e passa uma semana lá dentro, eles não podem simplesmente sair e voltar a jogar no mesmo “tempo” em que pararam, eles tem que esperar o tempo real correr. Quer jogar literalmente no mundo de jogo um dia depois que saíram da masmorra? Então joguem amanhã no mundo real de novo.  Isso também significa que outras facções continuam agindo nesse intervalo, o que cria um mundo vivo, tenso e com consequências inesperada. Saíram semana passada da masmorra e voltaram hoje? Que pena, ela já foi toda saqueada e ainda picharam na porta que sua mãe tá na tabela de encontro de Harlot do DMG. 

Outro pilar do jogo é o patron play. Isso significa que em vez de o mestre controlar todos os grandes poderes do mundo (reinos, guildas, ordens, cultos), esses papéis podem ser entregues aos jogadores (cada um controlando uma facção), que por sua vez decidem o que essas entidades fazem, seus objetivos, alianças e planos a curto e longo prazo. Um dos argumentos que usam é que isso faz com que o mestre deixe de ser o todo poderoso mão de ferro por trás do escudo  e volte a ser um árbitro, um juiz que resolve os conflitos entre jogadores e facções com base em lógica e regras, não em narrativa planejada. Quando os patronos entram em conflito, as tramas surgem naturalmente: um mago patrono pode usar os personagens jogadores como peões; um ladrão patrono pode contratar aventureiros para eliminar rivais; e o mestre só precisa resolver o que acontece de maneira justa. Isso lembra muito o Braunstein, o proto RPG que Arneson jogou com Wesely no final da década de 60 em wargaming e que posteriormente o inspirou tanto em Blackmoor e em OD&D.  

E com isso a questão tão discutida desde sempre por quem não leu a definição de Gygax sobre alinhamento, faz sentido,  pois é aplicada em seu contexto original de  distinguir os diferentes lados de um grande conflito em um wargame contínuo. Essa mecânica, que à primeira vista poderia parecer limitadora, na verdade só servem de norte para os jogadores, permitindo que interpretem personagens com objetivos opostos atuando em regiões distintas do mundo.

Falando em wargaming, o BrOSR também valoriza muito a escala 1:10, ou o retorno ao aspecto de escalas de combate do  Chainmail,  o velho wargame medieval que veio antes e possibilitou a  origem ao D&D. Isso significa que grandes batalhas, exércitos e domínios não são apenas pano de fundo de conflitos menores: eles fazem parte ativa do jogo. As regras originais já permitem isso, e o BrOSR mostra com essas intrigas entre grandes facções do mundo que é  viável misturar aventureiros individuais com tropas e guerras de larga escala sem precisar inventar sistemas novos.

O resultado disso é o que Jeffro chamou de uma campanha “sempre conectada”, formada por múltiplos “braunsteins”, várias regiões, mestres e grupos diferentes jogando dentro do mesmo mundo, todos influenciando uns aos outros. O tempo real e o patronato tornam possível coordenar vários jogadores e Mestres de jogo, com uma sensação de mundo compartilhado (sem ser narrativismo, pasme), cheio de vida própria, mudanças profundas e repercussões constantes.

Há quem diga que BrOSR é bem mais do que um conjunto de regras e sim um movimento cultural, um tipo de “choque de mentalidade”.  Que o jogador deve abandonar quarenta anos de “más práticas” e que pare de pensar o RPG como narrativa ou episódio de série, e volte a enxergá-lo como um jogo competitivo, aberto, onde conflito é o combustível que move o jogo. O mestre é “apenas mais um jogador com uma função especial”, e o mundo é compartilhado de verdade, em que cada um pode criar, propor, interagir e transformar o cenário. Não existe “o mundo do mestre”; existe um espaço comum em constante disputa e construção.

Esse tipo de campanha acaba que gera naturalmente aventuras, intrigas e guerras, sem precisar de módulos prontos para tal. O próprio D&D clássico, com suas tabelas aleatórias, é o suficiente para alimentar uma campanha indefinidamente. O mestre não precisa inventar histórias; ele só precisa arbitrar as consequências do que os jogadores fazem. Como Jeffro diz, “só o BrOSR tem a resposta correta para o que acontece quando os jogadores encontram 300 orcs”. 

No fim, o BrOSR é uma tentativa de devolver ao RPG o que ele tinha de mais essencial nas origens (assim como o CAG): mundo persistente, tempo real, conflito entre facções, liberdade real dos jogadores e improviso genuíno. É um jeito de jogar em que o mestre não conduz uma história,  ele mantém o mundo girando, enquanto os jogadores decidem o rumo que ele toma. O resto é consequência.

Mas aí você, caro leitor assíduo que não perde um chilique desse que vos fala, chega a pergunta: Mas isso não é literalmente CAG?

E eu vos respondo (opinião parcial, veja bem  ). Não acho pertinente considerar ambos como a mesma coisa por alguns motivos:

- O CAG foca em aventuras, exploração de masmorra/ermos e fantasia. Isso do início ao fim da escala de progressão do jogo. É um jogo focado em descobertas e trabalho em equipe.  Se for avaliar os princípios do BROSR contidos nesse texto, parece que ele dá mais destaque a batalhas de grandes exércitos, gestão de domínios, intrigas políticas complexas e até em conflitos PvP, como disputa de guildas e etc.  O CAG não foca nisso. Não descarta possibilidades pontuais desses elementos, mas não gasta muito tempo nisso. 

- Apesar da ideia de Braustein ser bastante interessante, ela não se encaixa muito bem com CAG, na minha opinião, porque o jogo é focado em aventuras, em exploração. O Braustein é muito focado em intrigas política entre partidas de wargaming. Isso cai muito bem em ACKS, por exemplo, na condição de domínio, daria um puta jogo. Mas CAG se trata em explorar o mundo. Essa parte estratégica e de intriga toma muito tempo e faz a parte que interessa da aventura se diluir. O CAG não é centrado em narrativas complexas que podem aparecer em intriga política entre facções na parte de gestão de domínios. Não exclui certa interação entre NPCs e jogadores, mas não foca nisso.

-A escala 1:1 pode funcionar muito bem no CAG também, mas ela também pode atrapalhar o fluxo do jogo dependendo do tempo de intervalo entre sessões. O conceito em si não atrapalha, isso é mais uma questão pessoal, porque a realidade da maioria das pessoas que tenho contato não é hardcore como a de outrora. As pessoas tem pouco tempo para jogar, às vezes o jogo é até quinzenal, então fica impraticável na realidade atual.  Eu pessoalmente não vi ninguém do CAG aplicar 1:1 nos jogos. Mas sim, isso está no AD&D1e e é RAW. 

- Múltiplos mestres também é algo que nunca vi ser abordado no CAG, que por sua vez cita exemplos com um mestre, um mundo, um grupo de jogadores. Não que  seja impossível aplicar o CAG em jogos assim, mas não vi nada sobre isso ser princípio de jogo.

Finalmente, o Jeffro é uma figura polêmica (não só por sua posição sobre o jogo e não só por boatos), e a galera do BrOSR tem uma linguagem rígida e com viés intolerante sobre o "jeito certo de jogar". Apesar de eu ter achado bem interessante a maior parte dos princípios do BrOSR e que nem são incompatíveis com CAG,  eu sinceramente não vejo como seria essa a maneira correta e definitiva do Gygax de jogar, assim como CAG também não é e não prega isso.  (O CAG busca seguir os princípios estipulados por Gygax no DMG, mas eles estão sempre falando sobre interpretação de regras, aplicação seletiva de mecânicas baseados no seu objetivo de jogo e etc. Não é um estilo definitivo.) Para qualquer um que lê o PHB e o DMG, nota que não existe forma definitiva de jogo. Primeiro porque muitas regras ainda dão abertura pra interpretação. E segundo, o próprio Gygax fala no texto que é para o mestre escolher quais mecânicas são importantes pra sua própria campanha (ele também fala coisa que narrativista vai interpretar como imersão e atuação de personagem com vozinha. Existe Gygax pra todo rpgista, cada "safra" para um gosto diferente, não tem jeito). 

Então, por esses motivos, eu acho que não dá pra misturar as duas nomenclaturas em uma só. E também não acho que uma deve existir em detrimento da outra, são 2 opções válidas de jogar ADnD, Então cada um que adapte o que interessa pra sua própria mesa. Há também outras características que tem em ambos os estilos que são totalmente compatíveis. Pois, afinal, saíram da mesma fonte. 


Comentários

  1. Imaginava que o Br fosse referente a Brasil, mas provavelmente é Braunstein... (Ou talvez Brotheragem?)
    No mais, estou gostando do blog. Excelentes provocações!

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    Respostas
    1. Sim, até o BR os gringos tomaram da gente kk. Eu vi em algum lugar que é Br de "Bro" mesmo. Já vi falarem que é de Braunstein também, mas nada oficial. Eu prefiro pensar que seja Braunstein, porque faz mais sentido.

      Obrigado pela leitura e pelo feedback. Vlw!

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