O que define D&D como tal?
Eu me vejo usando o termo D&D indiscriminadamente o tempo todo sendo que na verdade eu estou falando sobre um tipo de jogo bastante específico.
Quando uso o termo D&D, não é da marca da Hasbro que estou falando, não é o que se conhece sobre D&D desde meados da década de 90 (pelo menos no Brasil) até os dias de hoje. Quando uso o termo D&D, estou falando sobre o que era o jogo originalmente, quando suas características fundamentais o definiam como tal, quando era um jogo sobre Dungeons (masmorras) e Dragons (dragões). O jogo clássico.
Muita gente repete o bom e velho mantra "mas nem todo mundo jogava assim então D&D pode ser qualquer coisa" ou "Nem Gygax usava as regras que escreveu". Claro, isso pode ser verdade, mas vai depender do contexto. Realmente, não existia fiscal de regra em todo lar dando reguada em criança que jogava diferente do que se dizia nos livros. Mas os livros davam um norte sobre como deveria ser o jogo. Pelo menos com as características fundamentais. E claro, Gygax não jogou o jogo do mesmo jeito a vida toda. Mas ele criou um jogo e testou as regras apresentadas à exaustão. Se ele foi chutado da TSR e precisou criar outra coisa diferente depois, se frustrou com D&D ou só enjoou, é perfeitamente aceitável. Mas isso não anula o excelente trabalho que ele fez antes. Se funciona e funciona bem, não importa muito o que o autor disse depois. Assim como se o que funciona para você eu digo aqui que não funciona, sinta-se à vontade em ignorar. Afinal, isso é um blog, não uma revista científica com pesquisas extensas e empíricas. Assim como não sou guru e o que escrevo não é palavra sagrada,
Nesse post eu citei algo como elementos fundamentais que definem o jogo. Que ter menos do que isso seria o suficiente para o todo desmoronar em ruínas que nada se assemelha ao jogo original. Então, vou tentar, nesse texto, definir o que é essencial se ter em um jogo para ele ser digno de ser chamado de D&D.
Resposta curta? É basicamente o que tem no B/X.
As versões do basic são as que destilam o fundamental do jogo para tornar ele acessível a qualquer indivíduo pensante (crianças e acima) enquanto mantém o essencial para se jogar Dungeons & Dragons.
Resposta longa:
D&D é o todo mais que a soma de suas partes. Uma mecânica sozinha não define o jogo. Todas elas juntas passam uma experiência única, que combinada com a criatividade dos jogadores e esta aliada à competência do GM, torna essa experiência única em algo possivelmente memorável. As regras e mecânicas de um jogo existem para facilitar a vida do mestre de jogo, não dificultar. Os elementos fundamentais do D&D existem justamente para trazer ao mestre de jogo as ferramentas necessárias para uma experiência de jogo que ele e seus jogadores usufruam em mesa e que nenhum outro jogo é capaz de passar (mesmo 50 anos depois do original). É um material que torna palpável algo que só estava anteriormente na imaginação coletiva do grupo e que ao mesmo tempo expande essa imaginação em ações que levam o jogo para rumos totalmente inesperados.
Mas como disse, são vários elementos:
1- A ficha do personagem A ficha é importante, sim. Ela orienta os jogadores. Você controla seus recursos nela, vê sua saúde, suas habilidades, suas fraquezas. Mas ela não define como você irá jogar. Isso é uma coisa muito importante a se considerar. Muita gente confunde a ficha com algo terrível que limita a criatividade. Mas muito pelo contrário, é ela que norteia como essa criatividade vai ser usada, para o jogo não virar uma guerra de improvisação. Saiba os limites do seu personagem, seu potencial e use sua criatividade para tirar o máximo da ficha, não ignorá-la.
2- Os 6 atributos Isso mesmo, seis. Não são três, não são 8, não são zero. Seis. Os atributos são a espinha dorsal do seu personagem. São os atributos que definem o poder físico e mental de seu personagem, sua resistência, sua resiliência, sua agilidade e seu potencial de persuasão. Claro, é o jogador que vai fazer uso disso na prática, mas a definição dos seis atributos é o momento mais dramático da criação de personagem. A rolagem vai definir quais serão as características que definirão fundamentalmente qual vai ser o papel que seu personagem vai exercer no jogo, sua classe. Seja rolando 3d6 em ordem, 4d6 tira o menor e etc. (mas a sorte precisa ser um fator importante na definição desses valores, jamais use point buy, point buy é coisa de storygamer) É nesse momento que você saberá com qual personagem irá jogar.
3- Classe Depois de rolar seus atributos, a classe vem em seguida. Como dito acima, é na escolha da classe que será determinado o papel que o jogador exercerá no jogo. As classes de jogo são as balizas que definem as fronteiras do que seu personagem é capaz de fazer, o que ele é bom em fazer e no que ele é incompetente. O jogador vai exercer ou não o potencial de cada uma dessas características pela maneira que decide jogar, mas a classe é o norte que o guia nessa empreitada. Sua classe vai estimular sua criatividade a usar seu personagem à sua própria maneira, talvez até de forma única. Mas tenha consciência dos limites que ela tem. A classe existe justamente para organizar o jogo em papéis, não para "negar sua existência como indivíduo liberto de suas amarras sociais" (sim, eu já ouvi muito isso.) Muita gente gosta que o jogo tenha apenas as classes clássicas , outros gostam de customizar com variantes destas ou até algo totalmente fora da caixa. Desde que seja bem equilibrado com o todo e não permita abusos, claro. Mas lembrando, cada classe precisa ter seu papel definido para que não seja abusada e tome o papel de outra classe, pelo menos não em sua totalidade. Toda classe precisa ter seu destaque, para permitir ao jogador interpreta-la ao mesmo tempo em que exerce seu potencial.
4- Pontos de vida e Classe de Armadura Seu personagem precisa de pontos de vida e precisa de Classe de armadura, pois o jogo é sobre correr riscos ao se aventurar. Arriscar sua vida explorando locais perigosos, com monstros agressivos e que não gostam de valores ocidentais de civilização e não querem ser catequizados Então os pontos de vida são essenciais, assim como a classe de armadura (que define quanto o agressor precisa rolar no dado para acertar a sua frágil barriguinha). Tente manter os pontos de vida acima de zero (com algumas variações a depender do sistema) e se equipe com uma armadura (caso sua classe permita) ou então se posicione em um local menos exposto. Pois senão, não adianta chorar, role uma nova ficha.
5- Salvaguarda (especialmente as que matam instantaneamente) Use uma, três (credo) ou cinco .Tanto faz. Mas não tenha medo de usar, só use bem, mande rolar contra morte quando necessário, e se falhar, deixe morrer. Essa ideia de risco absoluto e iminente mantém os jogadores à flor da pele e nunca deixam eles vacilarem. Tenha sempre criaturas que usam veneno aqui e ali. Ou que paralisam, deixem inconsciente, drenem níveis (inclusive sem chance de salvaguarda) para que os jogadores sintam que o mundo é perigoso e que não deve ser jamais subestimado.
6- Alinhamento Sim, jovem, isso mesmo. Seja só leal, neutro e caótico, seja acrescido de bom ou mau. Não é só narrativista que adora isso. Alinhamento é peça fundamental em D&D, não para seu roleplay na taverna, ou para reforçar seus valores cristãos ocidentais sobre o que é bem ou mal, ou para reforçar a sua filosofia de boteco sobre como bem e mal é relativo. Alinhamento serve para estruturar o mundo e esta intimamente conectado às mecânicas de jogo. Às habilidades de classe, às magias, aos items mágicos à própria divisão entre os planos de existência do multiverso. Alinhamento não é algo simples de entender e é um dos mais subestimados, mas a partir do momento que você deixa de ter a percepção errada sobre o tema e tem força de vontade para aprender e saber aonde procurar (duh, os livros) você entende a importância e necessidade desse elemento no jogo de D&D.
7- Progressão de nível Depois de escolher sua classe baseado nos seus atributos rolados, sua vida, ouro e seus equipamento, você vai precisar se aventurar. Mas além de conseguir aquele loot maravilhoso que vai customizar seu personagem e trazer recursos para conquistar bens materiais e glória, seu personagem vai precisar progredir de nível quando alcança a experiência necessária para tal. Com isso certas habilidades vão melhorar, como chance de acerto, leque de magias, chance de desarmar uma armadilha ou destrancar uma porta. sua robustez, seus títulos e etc. A progressão de nível é mais uma das características essenciais do jogo, pois à medida que os desafios iniciais vão sendo superados, os personagens vão ficando mais resistentes e os jogadores mais resistentes e isso vai exigir novos desafios mais elaborados, que vão exigir novas dinâmicas de jogo. Sem os níveis isso fica muito limitado e mantém o jogo em um nível de desafio enfadonho. O jogo sempre vai se manter estagnado naquele loop repetitivo sem maiores variações.
8- Masmorras e Ermos (gridcrawl e hexcrawl respectivamente). Essas são duas das características que estão no cerne do jogo e especialmente no título. Explorar masmorras e ermos está no coração do jogo. Claro, um citycrawl aqui e ali também agrega muito, inclusive um pouco de roleplay (não o de usar vozinhas nem o de ficar horas conversando com taverneiro sobre aleatoriedades). Mas o cerne do jogo é se aventurar, explorar o mundo do jogo por tesouro e confusão. Você pode mascarar a motivação de se aventurar para acatar a seus valores morais e te deixar dormir melhor à noite, mas nunca se esqueça que D&D é sobre isso. Desbravar o desconhecido, se arriscar, se aventurar. Mas não esqueça de fornecer aos jogadores um papel em grid (quadrado ou hex) para eles poderem se localizar e analisar seus arredores de forma eficaz para o caso de haver algum combate.
9- Mapear é essencial. Seja digital ou analógico, seja o mestre revelando o mapa aos poucos, seja o jogador usando papel para desenhar o mapa ele mesmo. Um elemento fundamental de exploração é sentir o mapa se revelando a partir do esforço do grupo em explorar. Ilustra como o progresso está acontecendo, mesmo se houver TPK. Um mapa sendo explorado e revelado aos poucos é uma das maiores satisfações que o jogo oferece. Quase tanto quanto passar de nível, conseguir aquele item mágico maneiro ou derrotar aquele monstro perigoso.
10- XP por ouro/monstro Sim, exatamente isso. Não se dá xp por roleplay, por ter chegado na hora certa na sessão, por ter beijado o mestre de lingua. Isso não dá xp. O XP precisa ser dado por esforços mensuráveis dentro do jogo. Há variações, como dar xp por items mágicos, por enganar monstros e não matá-los e etc. Mas são variações que estão dentro dessa linha ouro/monstro. Não é qualquer ouro, não é qualquer monstro também. Dinheiro fácil que não vem de aventura, não conta. Monstro frágil que não oferece perigo, também não dá xp. Aí vai das orientações do livro. Mas esse elemento é fundamental para se jogar D&D.
11- Magia Vanciana Sim, magia que você precisa reaprender todo dia e que se usou gastou e precisa relembrar de novo no outro dia e assim sucessivamente. Muita gente não entende que magia em D&D é apenas mais um recurso a ser gasto. Muitas das magias, para o leitor atento, se revela como sendo de utilidade, não ofensiva e nem defensiva. Muitas magias não são para combate, são para evitar combate, são para ajudar na exploração. É tão importante quanto tochas, cordas, óleo e etc. São recursos. Tirar essa mecânica ou modificá-la para ficar igual videogame é tirar um elemento fundamental do jogo. Claro nada impede de você fazer isso e ser muito feliz, só vai te impedir de jogar D&D em seu potencial.
12- Itens mágicos Um dos detalhes mais importantes na exploração de locais perigosos e misteriosos é a possibilidade de adquirir ferramentas poderosas que customizam seu personagem de maneira única. Itens mágicos são elementos fundamentais para isso, customizar. Há muita queixa sobre D&D de que não dá para customizar seu personagem. É verdade, na hora de criar o personagem, não dá para mexer muito. Mas durante o jogo, durante a aventura, nenhum personagem volta igual ao outro (a não ser morto, obviamente). Um item mágico pode mudar completamente a dinâmica da classe. Para melhor ou para pior, dependendo do item. Logo, não subestime a importância de um bom loot. Uma espada mágica pode tornar aquele guerreiro fraco em uma máquina de matar. Uma armadura pode deixar o clérigo mais à frente na dinâmica de combate. Uma varinha de mísseis mágicos pode deixar o mago memorizar mais magias suporte em vez de focar em magias ofensivas. E assim por diante.
13- Controle de peso/deslocamento e gasto de recursos/tempo Não foi sem motivo que Gygax disse no AD&D que "You cannot have a meaningful campaign if strict time records are not kept" Se você não mantem controle de tudo no jogo, o jogo é falho e sem significado. Á medida que os jogadores exploram, eles precisam ficar de olho no desempenho, quanto deslocam e conseguem explorar por turno, pois os recursos são os que os mantém vivos. São as tochas, rações, água, magias, óleo, cordas, pregos, vida sua e dos contratados, dos animais e etc. Sem os recursos necessários gastos à medida que o tempo passa, os personagens perecem. Deixar faltar recurso básico para seus personagens é o erro de principiante mais vergonhoso para o jogador. Evite. E o mestre precisa manter controle do que lhe cabe também, Pois é a partir do seu feedback que os jogadores vão perceber a importância do controle da parte que lhes cabe.
14- Aleatoriedade (com os respectivos dados poliédricos) Todo jogo precisa do fator surpresa, inclusive para o mestre. O jogo precisa ter um grau de aleatoriedade. Uma das ferramentas essenciais do jogo são os dados (d4, d6, d8, d10, d12 às vezes e d20), afinal. Se você precisa rolar o dado para acertar a criatura, porque não rolaria para definir atributos, vida, dinheiro inicial, encontros aleatórios e etc? Até na criação de masmorras e ermos o mestre se utiliza desse recurso. Ele não cria tudo do zero, ele usa os dados e tabelas para estimular sua imaginação e cobrir o terreno inicial Depois é que ele vai refinando e colocando sentido em tudo. Mas durante o jogo, nunca se esqueça. Jamais roube nos dados, custe o que custar. Apenas siga o fluxo e treine sua criatividade para interpretar os resultados.
15- Encontros aleatórios Ultimamente tenho visto muito principiante questionar o valor dos encontros aleatórios. Especialmente gente que não lê os livros e ficam seguindo ensinamentos de gurus online. Mas o encontro aleatório é peça fundamental para o jogo de D&D ser o que é. Personagens se encontram em locais desconhecidos, hostis e encontros aleatórios é um dos fatores que mantem a pressão constante, a insegurança de que algo terrível possa acontecer caso os jogadores enrolem para tomar decisão ou sejam desajeitados na exploração. Esses encontros são os fatores inesperados que os jogadores precisam lidar enquanto vão de um ponto ao outro. São elementos que os fazem gastar recursos de maneira inesperada, de se adaptarem às circunstâncias e podem se tornar encontros memoráveis por si só. Só não esquecer de saber rolar o encontro em primeiro lugar (rolar por tempos determinados em tabelas determinadas para a localidade que se encontra. Rolar surpresa quando se aplicar, distância do encontro, reação do monstro ao grupo, moral quando se aplicar e etc). Encontro aleatório é uma arte, não um fardo. Vai ler o livro e aprender mais.
Procedimentos em geral Eu sei que aqui a gata mia e o bebê chora. O uso dos procedimentos descritos acima é o que, na prática, define se seu jogo é mesmo D&D. Medir o tempo, deslocamento, distância, peso, gasto de recursos, fazer rolagens no momento certo para o motivo certo, dar xp quando é para se dar xp (tesouro e/ou monstro), sua vida atual, duração de efeitos mágicos e etc. O jogo tem procedimentos a serem seguidos. Se eles forem ignorados, você não está jogando D&D, mas sim faz de conta pra neném não chorar e dormir chupando dedo. É simples assim. D&D é um jogo e precisa ter suas mecânicas respeitadas. Se quiser ignorar o essencial e mudar isso, fique à vontade, mas arque com as consequências de que você não estará jogando D&D, mas sim outra coisa. E deixe isso claro para os seus jogadores em potencial "vamos jogar algo aqui que parece D&D mas não é" não tem nada de errado nisso. Aproveite e se divirta.
Mas se quiser realmente jogar o jogo clássico, seja bem vindo e se orgulhe.
Addendum:
Sobre o essencial, ok. Mas e sobre os excessos?
Fiquei pensando muito sobre o essencial e acabei esquecendo de falar sobre os excessos. O que seriam excessos que prejudicariam esse essencial para se jogar o D&D clássico? Seriam todos aqueles elementos que são adicionados ao sistema sem ter coerência com o todo. Seriam mecânicas que não se enquadram na lógica do jogo original e que se destacam pela incongruência com as regras e mecânicas que definem o jogo como tal. Alguns exemplos são:
Mecânicas de sorte Provavelmente herdadas de jogos storygamers (posso estar enganado, me corrija com fatos caso saiba a origem) são mecânicas que mudam completamente a experiência de jogo modificando de maneira intrusiva o que as rolagens dos dados propõem ou que mudam algum efeito negativo que o jogador mereceu receber em primeiro lugar. Mas veja bem, isso é ruim quando é mecânica constante e de fácil acesso no jogo, o que é bem diferente de uma magia rara e com complicações, como Wish, por exemplo.
Vantagem/desvantagem Esse é um típico exemplo de mecânica que é genial para jogos modernos, mas só serve para atrapalhar nos jogos clássicos. Esse tipo de mecânica muda a experiência de jogo em pontos fundamentais, desestruturando o todo. Então precisa ser aplicada em jogos que tem ela em consideração em seus fundamentos, tipo como ela vai interagir com as outras mecânicas do jogo sem as comprometer, o que não é o caso em D&D clássico.
Perícias Esse é um caso que pode ser bem aplicado ou não. Vai depender muito da capacidade do designer em entender uma maneira útil de ter essa mecânica no jogo em primeiro lugar. Perícias podem agregar muito ao jogo, como podem simplesmente deixá-lo péssimo. Mas uma coisa é certa, essa mecânica afasta o jogo do D&D clássico e o aproxima de versões modernas, o que já é um ponto a se considerar.
PS: Talvez tenha faltado algo que não me atinei ao escrever o texto. Acrescentarei futuramente. Por favor contribua e me lembre de algo que esqueci ou questione também algo que considero essencial e você não.
5- Salvaguarda (especialmente as que matam instantaneamente) Use uma, três (credo) ou cinco .Tanto faz. Mas não tenha medo de usar, só use bem, mande rolar contra morte quando necessário, e se falhar, deixe morrer. Essa ideia de risco absoluto e iminente mantém os jogadores à flor da pele e nunca deixam eles vacilarem. Tenha sempre criaturas que usam veneno aqui e ali. Ou que paralisam, deixem inconsciente, drenem níveis (inclusive sem chance de salvaguarda) para que os jogadores sintam que o mundo é perigoso e que não deve ser jamais subestimado.
6- Alinhamento Sim, jovem, isso mesmo. Seja só leal, neutro e caótico, seja acrescido de bom ou mau. Não é só narrativista que adora isso. Alinhamento é peça fundamental em D&D, não para seu roleplay na taverna, ou para reforçar seus valores cristãos ocidentais sobre o que é bem ou mal, ou para reforçar a sua filosofia de boteco sobre como bem e mal é relativo. Alinhamento serve para estruturar o mundo e esta intimamente conectado às mecânicas de jogo. Às habilidades de classe, às magias, aos items mágicos à própria divisão entre os planos de existência do multiverso. Alinhamento não é algo simples de entender e é um dos mais subestimados, mas a partir do momento que você deixa de ter a percepção errada sobre o tema e tem força de vontade para aprender e saber aonde procurar (duh, os livros) você entende a importância e necessidade desse elemento no jogo de D&D.
7- Progressão de nível Depois de escolher sua classe baseado nos seus atributos rolados, sua vida, ouro e seus equipamento, você vai precisar se aventurar. Mas além de conseguir aquele loot maravilhoso que vai customizar seu personagem e trazer recursos para conquistar bens materiais e glória, seu personagem vai precisar progredir de nível quando alcança a experiência necessária para tal. Com isso certas habilidades vão melhorar, como chance de acerto, leque de magias, chance de desarmar uma armadilha ou destrancar uma porta. sua robustez, seus títulos e etc. A progressão de nível é mais uma das características essenciais do jogo, pois à medida que os desafios iniciais vão sendo superados, os personagens vão ficando mais resistentes e os jogadores mais resistentes e isso vai exigir novos desafios mais elaborados, que vão exigir novas dinâmicas de jogo. Sem os níveis isso fica muito limitado e mantém o jogo em um nível de desafio enfadonho. O jogo sempre vai se manter estagnado naquele loop repetitivo sem maiores variações.
8- Masmorras e Ermos (gridcrawl e hexcrawl respectivamente). Essas são duas das características que estão no cerne do jogo e especialmente no título. Explorar masmorras e ermos está no coração do jogo. Claro, um citycrawl aqui e ali também agrega muito, inclusive um pouco de roleplay (não o de usar vozinhas nem o de ficar horas conversando com taverneiro sobre aleatoriedades). Mas o cerne do jogo é se aventurar, explorar o mundo do jogo por tesouro e confusão. Você pode mascarar a motivação de se aventurar para acatar a seus valores morais e te deixar dormir melhor à noite, mas nunca se esqueça que D&D é sobre isso. Desbravar o desconhecido, se arriscar, se aventurar. Mas não esqueça de fornecer aos jogadores um papel em grid (quadrado ou hex) para eles poderem se localizar e analisar seus arredores de forma eficaz para o caso de haver algum combate.
9- Mapear é essencial. Seja digital ou analógico, seja o mestre revelando o mapa aos poucos, seja o jogador usando papel para desenhar o mapa ele mesmo. Um elemento fundamental de exploração é sentir o mapa se revelando a partir do esforço do grupo em explorar. Ilustra como o progresso está acontecendo, mesmo se houver TPK. Um mapa sendo explorado e revelado aos poucos é uma das maiores satisfações que o jogo oferece. Quase tanto quanto passar de nível, conseguir aquele item mágico maneiro ou derrotar aquele monstro perigoso.
10- XP por ouro/monstro Sim, exatamente isso. Não se dá xp por roleplay, por ter chegado na hora certa na sessão, por ter beijado o mestre de lingua. Isso não dá xp. O XP precisa ser dado por esforços mensuráveis dentro do jogo. Há variações, como dar xp por items mágicos, por enganar monstros e não matá-los e etc. Mas são variações que estão dentro dessa linha ouro/monstro. Não é qualquer ouro, não é qualquer monstro também. Dinheiro fácil que não vem de aventura, não conta. Monstro frágil que não oferece perigo, também não dá xp. Aí vai das orientações do livro. Mas esse elemento é fundamental para se jogar D&D.
11- Magia Vanciana Sim, magia que você precisa reaprender todo dia e que se usou gastou e precisa relembrar de novo no outro dia e assim sucessivamente. Muita gente não entende que magia em D&D é apenas mais um recurso a ser gasto. Muitas das magias, para o leitor atento, se revela como sendo de utilidade, não ofensiva e nem defensiva. Muitas magias não são para combate, são para evitar combate, são para ajudar na exploração. É tão importante quanto tochas, cordas, óleo e etc. São recursos. Tirar essa mecânica ou modificá-la para ficar igual videogame é tirar um elemento fundamental do jogo. Claro nada impede de você fazer isso e ser muito feliz, só vai te impedir de jogar D&D em seu potencial.
12- Itens mágicos Um dos detalhes mais importantes na exploração de locais perigosos e misteriosos é a possibilidade de adquirir ferramentas poderosas que customizam seu personagem de maneira única. Itens mágicos são elementos fundamentais para isso, customizar. Há muita queixa sobre D&D de que não dá para customizar seu personagem. É verdade, na hora de criar o personagem, não dá para mexer muito. Mas durante o jogo, durante a aventura, nenhum personagem volta igual ao outro (a não ser morto, obviamente). Um item mágico pode mudar completamente a dinâmica da classe. Para melhor ou para pior, dependendo do item. Logo, não subestime a importância de um bom loot. Uma espada mágica pode tornar aquele guerreiro fraco em uma máquina de matar. Uma armadura pode deixar o clérigo mais à frente na dinâmica de combate. Uma varinha de mísseis mágicos pode deixar o mago memorizar mais magias suporte em vez de focar em magias ofensivas. E assim por diante.
13- Controle de peso/deslocamento e gasto de recursos/tempo Não foi sem motivo que Gygax disse no AD&D que "You cannot have a meaningful campaign if strict time records are not kept" Se você não mantem controle de tudo no jogo, o jogo é falho e sem significado. Á medida que os jogadores exploram, eles precisam ficar de olho no desempenho, quanto deslocam e conseguem explorar por turno, pois os recursos são os que os mantém vivos. São as tochas, rações, água, magias, óleo, cordas, pregos, vida sua e dos contratados, dos animais e etc. Sem os recursos necessários gastos à medida que o tempo passa, os personagens perecem. Deixar faltar recurso básico para seus personagens é o erro de principiante mais vergonhoso para o jogador. Evite. E o mestre precisa manter controle do que lhe cabe também, Pois é a partir do seu feedback que os jogadores vão perceber a importância do controle da parte que lhes cabe.
14- Aleatoriedade (com os respectivos dados poliédricos) Todo jogo precisa do fator surpresa, inclusive para o mestre. O jogo precisa ter um grau de aleatoriedade. Uma das ferramentas essenciais do jogo são os dados (d4, d6, d8, d10, d12 às vezes e d20), afinal. Se você precisa rolar o dado para acertar a criatura, porque não rolaria para definir atributos, vida, dinheiro inicial, encontros aleatórios e etc? Até na criação de masmorras e ermos o mestre se utiliza desse recurso. Ele não cria tudo do zero, ele usa os dados e tabelas para estimular sua imaginação e cobrir o terreno inicial Depois é que ele vai refinando e colocando sentido em tudo. Mas durante o jogo, nunca se esqueça. Jamais roube nos dados, custe o que custar. Apenas siga o fluxo e treine sua criatividade para interpretar os resultados.
15- Encontros aleatórios Ultimamente tenho visto muito principiante questionar o valor dos encontros aleatórios. Especialmente gente que não lê os livros e ficam seguindo ensinamentos de gurus online. Mas o encontro aleatório é peça fundamental para o jogo de D&D ser o que é. Personagens se encontram em locais desconhecidos, hostis e encontros aleatórios é um dos fatores que mantem a pressão constante, a insegurança de que algo terrível possa acontecer caso os jogadores enrolem para tomar decisão ou sejam desajeitados na exploração. Esses encontros são os fatores inesperados que os jogadores precisam lidar enquanto vão de um ponto ao outro. São elementos que os fazem gastar recursos de maneira inesperada, de se adaptarem às circunstâncias e podem se tornar encontros memoráveis por si só. Só não esquecer de saber rolar o encontro em primeiro lugar (rolar por tempos determinados em tabelas determinadas para a localidade que se encontra. Rolar surpresa quando se aplicar, distância do encontro, reação do monstro ao grupo, moral quando se aplicar e etc). Encontro aleatório é uma arte, não um fardo. Vai ler o livro e aprender mais.
Procedimentos em geral Eu sei que aqui a gata mia e o bebê chora. O uso dos procedimentos descritos acima é o que, na prática, define se seu jogo é mesmo D&D. Medir o tempo, deslocamento, distância, peso, gasto de recursos, fazer rolagens no momento certo para o motivo certo, dar xp quando é para se dar xp (tesouro e/ou monstro), sua vida atual, duração de efeitos mágicos e etc. O jogo tem procedimentos a serem seguidos. Se eles forem ignorados, você não está jogando D&D, mas sim faz de conta pra neném não chorar e dormir chupando dedo. É simples assim. D&D é um jogo e precisa ter suas mecânicas respeitadas. Se quiser ignorar o essencial e mudar isso, fique à vontade, mas arque com as consequências de que você não estará jogando D&D, mas sim outra coisa. E deixe isso claro para os seus jogadores em potencial "vamos jogar algo aqui que parece D&D mas não é" não tem nada de errado nisso. Aproveite e se divirta.
Mas se quiser realmente jogar o jogo clássico, seja bem vindo e se orgulhe.
Addendum:
Sobre o essencial, ok. Mas e sobre os excessos?
Fiquei pensando muito sobre o essencial e acabei esquecendo de falar sobre os excessos. O que seriam excessos que prejudicariam esse essencial para se jogar o D&D clássico? Seriam todos aqueles elementos que são adicionados ao sistema sem ter coerência com o todo. Seriam mecânicas que não se enquadram na lógica do jogo original e que se destacam pela incongruência com as regras e mecânicas que definem o jogo como tal. Alguns exemplos são:
Mecânicas de sorte Provavelmente herdadas de jogos storygamers (posso estar enganado, me corrija com fatos caso saiba a origem) são mecânicas que mudam completamente a experiência de jogo modificando de maneira intrusiva o que as rolagens dos dados propõem ou que mudam algum efeito negativo que o jogador mereceu receber em primeiro lugar. Mas veja bem, isso é ruim quando é mecânica constante e de fácil acesso no jogo, o que é bem diferente de uma magia rara e com complicações, como Wish, por exemplo.
Vantagem/desvantagem Esse é um típico exemplo de mecânica que é genial para jogos modernos, mas só serve para atrapalhar nos jogos clássicos. Esse tipo de mecânica muda a experiência de jogo em pontos fundamentais, desestruturando o todo. Então precisa ser aplicada em jogos que tem ela em consideração em seus fundamentos, tipo como ela vai interagir com as outras mecânicas do jogo sem as comprometer, o que não é o caso em D&D clássico.
Perícias Esse é um caso que pode ser bem aplicado ou não. Vai depender muito da capacidade do designer em entender uma maneira útil de ter essa mecânica no jogo em primeiro lugar. Perícias podem agregar muito ao jogo, como podem simplesmente deixá-lo péssimo. Mas uma coisa é certa, essa mecânica afasta o jogo do D&D clássico e o aproxima de versões modernas, o que já é um ponto a se considerar.
PS: Talvez tenha faltado algo que não me atinei ao escrever o texto. Acrescentarei futuramente. Por favor contribua e me lembre de algo que esqueci ou questione também algo que considero essencial e você não.
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