Em favor do minimalismo (Sim, é sério. Não, esse não é um texto conciliatório)


 


Não, eu não estou fora de mim. Sim, esse post é sério, ele não é satírico. E sim, quem já sente por mim o ódio do bem, pode continuar odiando, eu deixo. 

Vira e mexe eu estou em algum conversa sobre a situação do nosso canto do hobby no país. Claro, eu não tenho acesso a tudo que acontece nesse mundão todo de RPG das terras tupiniquins, minha referência é apenas  o que vejo online e em mesas que jogo presencialmente (Sim, hoje em dia é mais raro, mas ainda acontece). E uma coisa que vejo sempre é que muita gente quer brincar de D&D sem investir muito nessa parada de ler livros e mais livros de regras.

Gente que quer se divertir muito mas  investir pouco no jogo. Investir não somente no sentido monetário, mas no de tempo e gasto mental mesmo. Gente que viu um video no youtube, um desenho animado, um filme, um stranger things da vida e só quer curtir aquele estilo de vida sem ter o desgaste de se aprofundar nos pormenores culturais e técnicos da coisa toda. 

E isso vai para além do imediatismo moderno pós internet e pós videos com mais de 1 minuto em rede social. Tem gente que realmente não tem tempo, não tem interesse ou nem quer jogar tanto assim. Gente que realmente não quer e não pode mergulhar em uma miríade de mecânicas que tornam o jogo mais denso e completo. Tem gente que só quer matar um orc, pegar um tesouro e mudar de nível. Não tá muito preocupado com demanda mental de aprender regra, refletir sobre suas aplicações e pensar taticamente como seu boneco level 5 interage com um monstro de 10HD+ com resistência mágica X% e imunidade a magia de sono e ilusões e como usar sua magia poderosa de polimorfia poderia causar em seu aliado uma morte súbita por ele não ter resistência física suficiente para sobreviver ao choque. 

Muitos nem se preocupam em que seu jogo seja D&D no final das contas. Pode só parecer, pode só ter orcs, trolls, beholders e dragões. Não precisa rolar d20, não precisa ter 6 atributos, muitas vezes não precisa nem ter classes. Só de ter a sensação de aventura e de juntar um pessoal para brincar de faz de conta já é o suficiente. Só de ter um mestre que conte uma história pode ser o que ela precise naquele final de semana em um sítio, em casa, na festinha do amiguinho ou em um evento de jogos. A pessoa só quer se desligar um pouco da realidade com os amiguinhos e aquele boardgame que demora 3 horas só para montar não está disponível ou ninguém está no clima de esperar o dono do jogo montar as peças. 

Nesses momentos, para essas pessoas, existem os tais sistemas minimalistas. Os livretinhos coloridinhos feito pela galerinha artística que curte a cultura nerd.  Muitos desses tem uma página só, às vezes nem isso. São os que possuem apenas algumas palavras disfarçadas de regras para o sujeito rolar uns dados com o pessoal enquanto toma umas  e conta a sua história enrolando a lingua  e isso já é o suficiente. Brincadeiras que não precisam de pensar, não precisam de reflexão. São regrinhas para brincar e imagens estilizadas e coloridinhas para inspirar o jogo com os primos que nunca jogaram rpg na vida, com a namoradinha que quer saber o que é isso de RPG que tantos falam ou com os filhos e sobrinhos que não saem nunca do celular. Para essas pessoas, esses joguinhos são uma ótima oportunidade para juntar a todos em volta de uma mesa para passar o tempo e tomar um suco. E pode sim servir de exemplo para quem nunca nem viu RPG na vida ter uma ideia mais ou menos sobre o que se trata. Para muitos essa é a melhor maneira de introduzir pessoas não tão interessadas em RPG, no hobby. Nada de errado nisso. 

Mas a experiência não precisa terminar aí. 

Se depois dessa introdução eles quiserem saber mais, se quiserem voltar e jogar mais, aí sim você pode  apresentar a eles um sistema completo. Nem é recomendado que seja algo complexo como AD&D1e ou ACKSII. Pode ser um OSE, pode ser um S&W ou até um LotFP se seu grupo for maior de idade, edgy ou que gosta de um horror trash ou rpg renascentista sombrio. E se mesmo depois de absorverem o básico desses jogos e depois de jogarem campanhas curtas eles ainda quiserem mais, se começarem a notar brechas desagradáveis que não cobrem o suficiente para uma experiência duradoura e consistente nessas mecânicas de jogo e quiserem algo que demanda mais e eles tem tempo e desejo de se aprofundar no melhor que o D&D oldschool pode oferecer, daí sim você apresenta os pesos pesados. 

O mais importante é não culpar e não querer forçar  pessoas que gostam desse tipo de brincadeira simples de procurar algo completo. Se a demanda deles não for essa, não adianta. Cada um tem seu tempo, sua janela de interesse, sua demanda. Se a pessoa quer só brincar, deixa ela. Não julgue. O importante é apresentar a ela a possibilidade de jogar um jogo mais rico, mais longevo, mais completo. Se ela quiser permanecer nessa transição ou se ela não quiser nem sair do básico, não insista. Deixe elas curtirem. Há espaço para todos. Tanto para os designers de uma página só, quanto para os artistas que mal escrevem em primeiro lugar. Se há público, há demanda. O hobby é para todos afinal.

E, lembre-se, aquele carinha que surta hoje quando falam que o jogo que ele joga não tem ferramentas suficientes e/ou adequadas para o tipo de experiência de jogo que pretende jogar, pode ser o que amanhã tem um clique (insight) em mesa, durante a análise de uma de suas milhões de regras da casa e percebe que tem um jogo ali no fim da escada de evolução, já completo e que responde todas as suas perguntas rabiscadas no pé de página do seu hack minimalista de B/X. Talvez amanhã vocês possam apreciar juntos AD&D1e, só que hoje ele ainda não está preparado para isso. Assim como o chatão caga regra (as vezes é um que nem ao menos leu o livro em primeiro lugar) às escondidas joga um narrativismo rasteiro com furries antifascistas junto da galera no bar mesmo isso não tendo nada a ver com D&D e se diverte horrores mesmo assim. Faz parte e é o objetivo do jogo, divertir. 

Então, respeitemos um o espaço do outro e o momento do outro. E estejamos dispostos a conversar e rir muito disso quando houver absurdos sendo ditos, de ambos os lados, como por exemplo: "meu sistema de uma página combate os maus do capitalismo enquanto continua viável para campanhas longas de anos e anos sem necessidade de ajuste e regras da casa" ou "como assim você não joga esse sistema completo de 600 páginas com seu sobrinho de 5 anos? Tá acostumando ele mal." Bons jogos (sempre) e boas leituras (de preferência sem preguiça). 

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