Algumas dicas para a sua mesa de horror não tremer nas bases (mas sim, seus jogadores).




Em mesas de RPG com elementos de horror, como LotFP e outros, sentir-se vulnerável e impotente é essencial. Infelizmente muitas histórias modernas, filmes e jogos acabam matando essa possibilidade ao apostar no empoderamento do personagem e na familiaridade do cenário. Para criar algo realmente impactante, é importante fugir dos clichês: nada de mundos banais de fantasia, com seus monstrinhos, classes e mecânicas conhecidas.

Quando os jogadores percebem que o esperado não está ali, eles saem da zona de conforto e mergulham no mundo de jogo de verdade. Um mundo crível, próximo à realidade, ou de época, pseudo-histórico, ajuda a destacar o que é realmente bizarro, assustador e fora da realidade, quando necessário. Se tudo no cenário for fantástico desde o início, fica difícil causar impacto. Seguindo as ideias de Lovecraft, o verdadeiro terror vem do desconhecido e de forças que desafiam as leis naturais, e isso pode ser uma ótima inspiração para o jogo.

O elemento do "estranho" deve ser usado para causar desconforto e surpresa, mas sem recorrer a regras forçadas, como mecânicas de sanidade, por exemplo. As reações naturais dos jogadores e consequentemente de seus personagens e sua interação com NPCs são o suficiente para criar o clima. Uma boa dica é iniciar em um mundo o mais "normal" possível, sem clichés como magia e monstros, mesmo que raros. Assim, o sobrenatural fica mais impactante e a reação dos NPCs pode servir de espelho para os jogadores.

Então, para manter o mistério e o clima de horror, evite usar elementos familiares como monstros de livros famosos ou artefatos mágicos com efeitos já batidos no imaginário popular. Crie coisas novas primeiro e adapte para as regras depois. Isso obriga os jogadores a improvisarem e interagirem com o inesperado, tornando a experiência mais envolvente e sua resolução mais satisfatória, mesmo ocasionando em falhas terríveis e grotescas (eles pelo menos fizeram todo o possível para se safar).

Outra dica é que o mestre não precisa criar um espetáculo, ele precisa criar um cenário a ser explorado. Não exagere nos detalhes também, deixe que os próprios jogadores criem suas próprias fantasias e paranoias sobre o que está acontecendo e use isso contra eles (isso não quer dizer que você deva deixar que eles definam a narrativa fora do jogo, mas sim que as falsas pistas que eles mesmos criem sejam úteis para enriquecer a narrativa que eles produzem dentro do jogo).

Nos RPGs de horror, é importante que os jogadores tenham maturidade ou estejam dispostos a abraçar um lado mais pueril de humor negro, porque isso ajuda a criar um clima único de jogo. Com isso é possível criar situações que provocam as tensões extremas de um thriller macabro, até os absurdos gore de um bom slasher. Dessa forma, os jogadores  podem e devem explorar temas muito além da "diversão em família" tão popularizada pelo cinema contemporâneo, mas que fez o bom terror se perder. Mas fazer isso exige criatividade e coragem para sair do básico. Procure por mídias originais de horror, não tenha receio de sentir o verdadeiro medo você mesmo antes de apresentar aos jogadores (sendo maior de idade, obviamente). 

No entanto, é sim preciso tomar cuidado na aplicação de conteúdos sensíveis. Jogar RPG é uma experiência participativa, diferente de assistir um filme ou ler um livro, e nem todo mundo quer participar de situações extremas que causam ansiedade desnecessária sem estarem atentas à essa possibilidade antes. Por isso, o respeito aos limites dos jogadores é fundamental, e conversar sobre isso antes do jogo pode evitar desconfortos e evitar interrupções desnecessárias.  Seja claro sobre seus objetivos gerais da mesa antes dela começar, mas sem dar spoilers. Selecione bem seus jogadores também. Lembre-se, não empurre a sua responsabilidade para terceiros sobre algo que pode ser resolvido antes com uma conversa honesta com seu grupo. 

O medo real vem da preocupação com os personagens e isso só é possível se você se identificar com eles. Claro, para isso acontecer não é necessário se tornar o personagem, atuar o personagem. É necessário apenas valorizar a importância do personagem no jogo. Em uma mesa de RPG onde a morte do personagem ou o fracasso são possibilidades reais, o perigo apresentado pelo mestre será respeitado. Não adianta criar situações aterrorizantes se o sucesso for garantido , o medo vem justamente da incerteza e das consequências que os erros causam. O jogador estar disposto a entrar no clima do jogo também ajuda muito. Ele precisa ter interesse em participar.

No fim, esse esforço gera uma imensa satisfação, a de criar situações que desafiam a percepção dos jogadores e os façam explorar o inesperado. Com esforço criativo e boas ideias, é possível manter o envolvimento e o mistério por muito tempo em uma campanha. Mas lembre-se, tudo em doses certas para não saturar. Essa dosagem só é possível conhecendo a sua mesa, seus jogadores. 

Tudo isso que foi exposto aqui e muito mais pode ser encontrado nesse excelente manual gratuito (Em Inglês). Leia na íntegra aqui: https://www.drivethrurpg.com/en/product/148012/lotfp-referee-book-old-grindhouse-edition



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