Quer melhorar seu jogo? Esteja disposto a errar.
Estava refletindo outro dia e conversando com um amigo antigo sobre o porque eu decidi mudar minha dinâmica de jogar RPG novamente de sistemas mais simples para algo mais complexo. Conversamos por bastante tempo relembrando como jogávamos antes, como mudamos de edições, mas nunca de D&D. E, principalmente, nossa disposição para errar até que acertamos às vezes, por um tempo (tanto na edição como na interpretação das regras). Perfeição em RPG de mesa simplesmente não existe.
A gente começou a jogar RPG no início dos anos 2000 e imediatamente caímos nas garras da 3e. Parcialmente, digamos, pois a gente nunca jogou o jogo RAW (Rules as Written) Mas mesmo assim usamos mais do que precisávamos na época. E foi assim até eu descobrir Pathfinder 1e, que por um brevíssimo período (amém!) pareceu boa ideia (Uau, é igual 3.5 mas mais detalhado!). Paramos de jogar depois de quebrar a cabeça por um tempo e ver que não era mais o tipo de jogo que achávamos divertido. Daí mais uns anos se passaram e descobri o 5e, que por também um breve período pareceu ser a solução ideal (Uau, parece 3.5, mas mais simples e direto ao ponto). Batemos a cabeça com 5e por alguns meses, achamos legal, mas dispersamos o grupo presencial e ficou assim por mais um tempo.
Passou mais alguns anos e eu estava bastante animado por ter descoberto o maravilhoso mundo do D&D oldschool prometido pelo OSR. Não somente por ser algo riquíssimo em conteúdo, não somente por trazer o tão desejado sentido em suas regras originais que havia se perdido nas edições posteriores com sua perda de foco e princípios. Mas principalmente porque eram opções mais simples de jogo, sem a necessidade de decorar muitas regras, fazer fichas enormes e estudar classes e raças de bonecos para tirar o melhor deles (no sentido bélico) em mesa.
Eu sempre fui um DM preguiçoso com jogadores preguiçosos. Sempre quis o melhor efeito pelo menor esforço. Então, quando descobri esse lado do RPG OSR, que prometia reter toda a fantasia clássica sedutora de outrora enquanto era fácil e rápido de jogar, eu fui imediatamente seduzido. Especialmente pelo fato de que jogar online com o mínimo de regras era algo necessário para mim na época (pois eu não tinha nenhuma experiência com VTTs e afins)
Por alguns anos, como já comentei em outros posts, essa ideia vingou. Joguei bastante online com LotFP, OSE e outras siglas que me envergonho só de lembrar que já maculei meus olhos lendo e meus lábios recitando suas (não existentes) mecânicas. Apresentei o o material aos meus amigos mais antigos, os quais jogavam (gasp!) 3.5 comigo e todos ficaram maravilhados com a simplicidade. Menos regras, menos erros, mais autonomia e segurança (se não tiver escrito eu invento na hora) Foi bom enquanto durou. Jogueim até bastante módulos bizarros de LotFP(que ainda gosto e jogo de tempos em tempos.)
Lembro até hoje quando eu vi lá no financiamento de 2019 do OSE que enfim eu tinha achado o sistema perfeito, que nesse eu investiria porque era esse D&D que conquistaria a todos. Para o bem ou para o mal eu sempre fui um cara focado. Não gosto de dispersar em vários conteúdos diferentes porque considero que o tempo e o investimento em um determinado material é que possibilita o domínio sobre determinado tema. Vejo muito "especialista" online por aí que consegue citar 200 sistemas diferentes, módulos diferentes, com overview digno de chatgpt, com bulletpoint e negrito. Mas que quando questionados sobre a experiência com o material, engasgam. No muito falam que jogaram onehot, ou três sessões daquilo. Ou seja, vastos como o oceano, profundos como um pires. Tem também os que tem experiência mínima com pouquíssimo sistemas (as vezes nem isso), "inventam" o seu (recortando e colando material dos outros com fonte diferente. As vezes nem isso), colocam arte colorida, fonte chamativa, se dizem autores designer de jogos lúdicos e já se autodeclaram autoridade no tema.
Não que você precise de curso superior de 5 anos sobre B/X com especialização de 2 anos em B2, mas você precisa ao menos experienciar o material o suficiente nas suas diversas facetas antes de se meter a sabichão sobre aquilo. Claro, há exceções. Quando você já conhece o core do jogo e se depara com algo que desvirtua completamente a proposta do jogo, você não precisa jogar aquilo. Não precisa comer veneno para saber que mata. Ler o rótulo já basta. O que mais tem por aí é gente recomendando sistema X ou Y mas que na prática nem leu, não tem experiência com o estilo de jogo, a proposta do gênero ou só mestrou oneshot e parou por aí porque saiu o novo sistema colorido daquele militante de estimação do reddit.
Vendo essas atitudes hilárias online e com o tempo, eu resistia ao máximo em mudar de novo de sistema, de foco e meu investimento no jogo. Justamente por reconhecer a importância de ter foco (e por ter preguiça de aprender algo novo também, claro). Mas não teve jeito, a minha demanda e do grupo mudou. Fui aprendendo mais sobre o jogo com o tempo, vi para onde o selo do OSE estava indo (tema para outro post, mas resumidamente, estava indo para um lado nada oldschool) e decidi refletir melhor sobre o que fazer.
Conhecendo melhor o potencial do jogo e jogando módulos que demandavam mais desse potencial (como o megamódulo que ainda invisto e jogo e falado aqui) vi que não dava mais para manter o OSE. O jogo (e seus derivados) simplesmente não tinham em seu arcabouço recursos para manter o jogo rodando bem durante os meses (e consequentemente, anos). E eu não queria costurar um hack sem vergonha com regras piores e mal testadas (resistindo ao máximo em não fazer isso e lançar "artesanalmente" em capadura por editora para venda online na casa das centenas de reais, como vemos muito por aí). Então me restou investir no melhor que o oldschool pode oferecer, especialmente o AD&D1e.
Mas aí eu tive que respirar fundo e reaprender a errar (se isso faz algum sentido). Quando conversei com meu grupo de Arden Vul e decidimos mudar o sistema, eu sabia que seria uma viagem com muitos quebra molas. Mas, a muito sou grato a eles por isso, toparam. Mudamos o sistema e erramos, erramos e ainda erramos bastante.
Mudar de sistema no meio da campanha pode ser sofrível. Mas como o grupo estava disposto a aprender enquanto jogava, foi o mais suave possível. Ainda é. A galera tem paciência, a gente vai se ajudando durante a sessão com dúvidas, esquecimentos, consultas e tudo que precisar para o jogo rodar.
Isso me faz chegar no ponto que me fez querer escrever esse texto em primeiro lugar. A gente vê por aí conselhos e mais conselhos sobre a mesa de RPG perfeita, sobre não interromper o fluxo de jogo consultando regras, sobre "imersão" "verossimilhança", "Rulings" e outros conselhos de coachs narrativistas online. Sem querer tirar o mérito da intenção, realmente, um jogo fluido é excelente. Nada melhor do que um DM com domínio, jogadores afiados e etc. Mas isso não acontece da noite para o dia. Existe um caminho de erros e acertos a ser feito antes da boiada poder passar.
A gente erra muito. Seja com nenhuma experiência, seja com semanas de jogo, seja com anos e décadas de prática. Você vai errar demais. Digo isso com ainda mais propriedade depois que joguei como jogador em mesas de gente que sabe muito. Os caras erram também. Eles pedem tempo para verificar material, eles cometem equívocos, se permitem ser corrigidos em algum detalhe das regras que esqueceram, retificam o erro in loco. Isso é perfeitamente normal. Assim como é normal e esperado você esquecer regra que já conhece a décadas, não lembrar aonde tá, confundir uma com a outra e pedir ajuda aos jogadores para lembrar.
D&D é um jogo complexo (mesmo as versões básicas, se parar para comparar com outros estilos de jogos em grupo) e erros acontecem. Especialmente se você é iniciante.
É muito engraçado ver gente odiando streamer, mesa coreografada e mesmo assim vir falar em passar experiência ininterrupta em mesa. Faça-me rir. A realidade diz outra coisa completamente diferente.
Então, porque estou dizendo tudo isso? Principalmente porque não tenho mais o que fazer nessa tarde da noite. Mas, especialmente, porque não quero que pessoas tenham medo de pegar um jogo mais complexo por medo de errar, travar em mesa, parar para consultar e etc.
Não tenha medo. Abrace o caos. Se permita não saber o que está fazendo, pedir perdão, ser humilde, aprender jogando e confiando no seu grupo para entender e se ajudarem. Digo isso como alguém que erra toda hora, mas que sente que seu jogo melhorou por isso.
Também não se sinta obrigado a mudar nada se não quiser. Não siga trending, siga seu coração. Se você está satisfeito com seu jogo, se sua mesa está, simplesmente aproveite. Quando for a hora, quando você ver que seu jogo está faltando algo, aí sim você estará pronto para experienciar coisas novas. É curioso que hoje eu leio bem mais sobre D&D do que na época que jogava os jogos modernos que demandam mais leitura. É paradoxal, mas ao mesmo tempo deixa claro que você se investe no que te interessa. Não no que a modinha atual demanda. Modinha te faz consumir fastfood. Sistemas cheios de cores mas sem nenhuma sustância.
Pessoalmente não me vejo voltando para versões mais básicas do jogo (não para campanhas longas, mas sim para jogos curtos com a galera das antigas que se reuniu para bater um papo). Campanha longa mesmo, é AD&D1e e aquele OSRIC top para consultas rápidas. Mas nunca diga nunca. Se meu interesse e a demanda mudar, estou disposto a errar novamente. E é isso aí.
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