[LotFP] Minha experiência com NSFW (No Salvation for Witches)
Contém SPOILERS pesados do módulo. Estejam avisados.
LotFP é aquele sistema que sempre me desperta interesse, mesmo que não seja necessariamente jogar D&D nele.
Não que as mecânicas não sejam as mesmas, mas muitas vezes (maioria, na realidade) os módulos de LotFP não funcionam como D&D clássico. É curioso, porque o sistema tem o pé firme fincado no B/X (há quem discorde e diga que seja o BE de BECMI. Mas enfim, picuinhas).
O sistema acrescenta, o que na minha opinião, são os melhores elementos já adicionados ao B/X (que inclusive é copiado descaradamente e não reconhecido por vários "designer" do OSR moderno ou fajutos por aí) e isso dá abertura a algumas interpretações diferentes do comum em seus módulos. Não só de temáticas weird, gore e trash vive o diferencial dos módulos de LotFP. Muitos envolvem estilos de jogar diferente. Tem gente que ousa dizer que seus módulos tem mais cara de Warhammer e Call of Cthulhu do que D&D e não estão necessariamente errados. Claro, mecanicamente continua usando o bojo de D&D, mas na prática os módulos tem mais horror, mais investigação e mais desfechos cruéis e desesperadores do que sua típica aventura comum de D&D clássico.
Porém, também houve casos durante os anos de muitos autores contratados pelo criador do selo para fazer módulos não saberem nada do que estão fazendo. Tanto sobre D&D quanto outros RPGs que inspiraram o selo LotFP nem sobre design de módulos de RPG. Eles entram no hall de autores que já comentei em tantos outros textos. Mas não são todos.
Alguns autores, mesmo que não sejam designers de seus típicos módulos de D&D clássico, são bons e se destacam em algum elemento ou outro em suas contribuições oficiais para LotFP. Como Kelvin Green, Rafael Chandler, ZZarchov Kowalski, o próprio Raggi, dentre outros. Cada um contribui em algum módulo que produzem o que tem de melhor no selo. Seja algo inusitado ou completamente original, doe a quem doer, esses módulos são criativos.
Hoje vou falar sobre a minha experiência com NSFW (No Salvation for Witches) do Rafael Chandler.
Esse módulo é bem curioso porque mal usa tropes de D&D (que se apresenta apenas em alguns conceitos de classe de seus "vilões" e items mágicos.)
NSFW é um módulo que retrata um período turbulento e sobrenatural na Inglaterra de 1620. Os personagens trombam em uma área isolada em uma região bucólica com algo bizarro se destacando na paisagem. Um domo mágico transparente e, depois que entram, não conseguem mais sair. No centro dele ainda tem um convento cercado por um campo de força rosado e brilhante. Lá dentro, um grupo de bruxas (cada uma sendo de uma das classes clássicas de D&D) a poucas horas de finalizar um ritual que, se der certo, vira o mundo de cabeça pra baixo: Mas não de uma forma típica para esse tipo de setting. Se o grupo nada fizer, o mundo teria possibilidade de se tornar o paraíso para muitos, com o patriarcado no chão, reis caindo como moscas, religião descentralizada, com a civilização marchando rumo a um feminismo místico idealizado. Quando os jogadores colocam o pé no cenário, falta menos de um dia para que isso aconteça.
O objetivo dos jogadores é simples (e, na minha opinião, a parte mais gamista e sem graça do módulo): os PCs precisam recuperar 3 esferas mágicas espalhadas pela região pra desativar o campo de força e conseguir entrar no tal convento. O mapa é fácil de entender, mas falta coisa básica para uma expedição nos ermos. Sim, a área é pequena, mas poderia ter algumas tabelas de encontros aleatórios e eventos que dessem suporte ao caos previsto na premissa (o que eu acabei adicionando por minha conta). A vibe da região é bem maneira e estranha desde o início, o ritual das bruxas distorceu toda a área dentro da bolha, criando eventos dignos de STALKER, com anomalias diversas aparecendo do nada, criaturas deformadas brotando de lugares (e personagens) improváveis, digno de filmes gore dos anos 70/80 (o que, de fato, é a especialidade do Chandler. Procure sobre seus produtos, são excelentes para quem curte horror gore). Tem criaturas horrendas e deformadas com bastante coisa nojenta,
Não tem nenhuma criatura típica de D&D nesse módulo. Nada tem orelhas pontudas, pele verde e que precisa ser desconstruída para satisfazer militante twitteiro. As criaturas são todas originais. É uma galeria de horrores com personalidade. O módulo acerta nisso: você lê e já revira o estômago do jeito que deve ser. E já tem toda a munição para provocar o mesmo em seus jogadores, no melhor estilo horror visceral.
Sobre as bruxas em si, elas são a causa de tudo, mas se o grupo tiver um instinto bélico, não terá nenhuma chance de explorar as suas possibilidades. Elas estão lá fazendo seu ritual e nada na região promove uma exploração de suas histórias. Para tal, o grupo precisa entrar na bolha e interagir com elas (hm, metáfora dos tempos modernos).
De qualquer forma, se houver essa possibilidade, o grupo de jogadores pode descobrir que a líder das bruxas é o tipo de vilão perigoso mas não por ser maligno, mas por ser idealista sem pensar a fundo nas consequências. Ela realmente acredita que está fazendo um bem maior ao escolher sacrificar qualquer um no processo. Seu coletivo de bruxas é uma mistura de personagens sórdidos, fanáticos ou que apenas aconteceu de cruzar o caminho da líder e estar ali.
Fora elas, especialmente em alguns pontos chave da região tem uma lista de criaturas sencientes, mas sempre as mais cruéis são humanas, como os agitadores e extremistas religiosos prontos para dar fim a uma acusada de bruxaria. É um desfile de aberrações. E todos podem, em teoria, interagir entre si. O livro dá um cronograma para que todos se encontrem no fim e cause um caos de facções no convento.
Os tesouros, como citei no inicio, parte da premissa de items comuns e mágicos em D&D, mas todos com um porém. Como relíquias indecentes demais pra passar no controle de qualidade da igreja. Não existe item genérico: Uma varinha que destrói órgãos específicos, uma coroa que é uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo, um anel em que seu efeito só funciona em gente de nível zero, dentre outros
Como típico em módulos de LotFP, o módulo coloca espalhado três possibilidades de apocalipse que vão destruir/reformular toda a sua campanha. Tem o ritual das bruxas, que se concluído muda completamente o mundo de jogo. Uma gosma esquisita que pode congelar todo o mundo se não for lidada a tempo e uns portais que atraem a atenção de entidades cósmicas horríveis.
Sobre layout, é o típico de LotFP. Cheio de artes bizarras, mas paredões de texto com informação espalhada. Definitivamente você precisa ler o material antes de usar. Além de tomar notas e grifar o texto caso precise da informação na hora certa. As descrições dos NPCs, por exemplo, poderia ser mais enxuta, seus status e o que carregam estar separado e com mais destaque. Mas o texto é bem escrito e cheio de ideias. Outro problema é o mapa. Além de não ter escala, ele não ajuda muito no posicionamento das localidades. Eu tenho resistência a mapas bonitos e coloridos, especialmente quando eles são só isso, bonitos e coloridos. Definitivamente é um módulo que se enquadra mais nos módulos oldschool em que é preciso ler tudo antes e digerir antes de rodar. Por sorte, não é um módulo grande. É bem compacto.
No geral NSFW é um bom módulo fora do estilo clássico de D&D, tem boa atmosfera, personagens interessantes (desde que os jogadores se esforcem em querer conhecer), horror gore, humor negro e eventos weird. Nada é normal, tudo é desconfortável, bem no estilo que traz tanta originalidade e interesse no selo. Não procure jogar isso se não tiver adultos (que sabem o que querem) em sua mesa de jogo.
RELATO DA MESA COMEÇA AQUI:
Que basicamente foi o que encontrei quando rodei esse módulo. Tive uma mesa que jogou umas 4 sessões. O módulo é curto, apesar de ter densidade para alguns desdobramentos que podem repercutir bem mais posteriormente na campanha. O efeito do que aconteceu no jogo rendeu algumas boas sessões posteriores.
O grupo chegou pelo oeste, na vila principal do módulo, aonde uma acusada de ser bruxa estava para ser torturada e enforcada. Eles interviram, lidaram com o líder radical que estava para matá-la e conseguiu adiar a sua morte. Com isso conseguiram coletar informações do líder sobre o convento, além de descolar um item mágico extremamente poderoso no casebre da "bruxa" (que no fim nem era bruxa, mas os jogadores nem se debruçaram sobre esse mistério, com os interesses efêmeros que possuem esses grupos de RPG), além de uma pequena esfera rosada.
Então eles, com ajuda dos fanáticos, partiram para a tal bolha rosa no centro da mata. Chegando lá, conseguiram fazer com que os turba retornasse para a vila, fazendo com que a suposta bruxa tivesse seu destino selado, enquanto eles tentavam entender o que diabos era essa bolha.
Depois de se lascarem tentando atravessar ela à força, seguiram outras dicas que foram dadas na vila sobre estrelas cadentes caindo em pontos diferentes no mapa. Então seguiram essas pistas e foram parar em outra vila no outro extremo do mapa a leste.
Essa vila estava supostamente abandonada, com restos de corpos despedaçados aqui e acolá. Então eles notaram que estavam sendo rodeados por gatos estranhos, que deram uma péssima vibe neles, fazendo com que corressem até um celeiro trancado. Notando luz e movimento em seu interior, gritaram por socorro, que no fim deu certo. Abriram a porta e os deixaram entrar.
Lá dentro tinha 2 pessoas, um homem mais velho e uma moça jovem, com um ferimento grave na cabeça. O homem disse que a encontrou desacordada e a levou para ali. Os jogadores ficaram desconfiados mas nada o fizeram, pois estavam preocupados com os animais atacando o celeiro de noite.
Conseguiram reagir e espantar os bichos que se cansaram de tentar entrar no local. Depois conversaram mais com o casal para descobrir que a mulher estava bem melhor milagrosamente quando notou a possibilidade de sair dali com a ajuda dos aventureiros. Ela prometeu pagamento alto se eles conseguissem tirar ela dali. Então eles saíram para explorar a vila melhor.
Encontraram uma casa com chaminé, tentaram entrar por cima com o especialista, que por muita sorte conseguiu descobrir que a casa estava cheia de armadilhas. Acharam que não valia mais à pena se arriscar ali, então abandonaram a cidade quando os gatos mais uma vez começaram a rodeá-los. Então viraram as costas para a vila e seus dois sobreviventes e correram para o norte.
Lá acharam a segunda esfera rosada flutuando em meio a um lago que fedia a peixe podre. Vasculhando a região, notaram na margem oposta um ponto brilhando azul. Nesse momento foram atacados por peixes mortos vivos. Uma parte do grupo ficou para trás para tentar conter as criaturas, que acabou comendo 1 ou 2 retainers, enquanto o resto do grupo foi para a outra margem e encontrou o tal ponto azul. Uma gosma azul brilhante que congelava tudo que tocava. Conseguiram empurrar a coisa para dentro do lago, o congelando em algumas horas. então andaram pela superfície congelada e pegaram a segunda esfera rosa. Porém, notaram que o congelamento estava invadindo as bordas da margem. Então ignoraram isso e foram para outra sudoeste.
Nessa viagem, encontraram uma criança perdida na mata, ela não falava a lingua deles, só sabia chorar. Eles como grandes humanitários que são, decidiram carregar a criança. Que começou rapidamente a fazer gestos de que estava com fome. Foi dada ração para ela, mas ela não comia. Ignorando isso eles seguiram viagem.
Em um certo momento, um retainer ficou para trás por algum motivo e desapareceu com a criança. Daí logo depois ela reapareceu sorrindo, mas o retainer nunca mais foi visto. Ela parou de reclamar e chorar. Eles seguiram viagem.
Nisso, acharam uma area pantanosa, com uma pequena pirâmide no centro. Se aproximaram e acharam lá a ultima esfera, sem maiores problemas.
Então seguiram para o centro do mapa. Aproximaram as esferas da bolha e a dissiparam imediatamente. Foram sorrateiros para o convento, pulando o muro. Deram uma rodeada nos prédios em volta, mas não quiseram explorar demais. observaram o movimento no prédio principal da capela e notaram que saía e voltavam mulheres lá de dentro. Só que um detalhe chamou a atenção, entravam de um jeito e saíam de outro. Grávidas! Imediatamente entravam em um prédio adjacente e gritos de bebês eram escutados de fora. O grupo então decidiu acabar com essa loucura.
Um dos personagens se aproximou do prédio, notou que a estrutura era bastante inflamável. Juntou membros do grupo, que selou a entrada principal e então tacou óleo em chamas nas paredes e telhado.
Não demorou para gritos de horror vir lá de dentro. depois silêncio, seguidos de um estouro. Algumas pessoas conseguiram sair pela lateral, as bruxas ficaram bastante feridas. Saíram em fúria da igreja, umas caíram mortas em chamas logo em seguida, mas o resto deu trabalho ao grupo.
Lutando desesperadamente, conseguiram matar mais uma ou duas. Mas quando a líder saiu arrebentando a porta e voando lá de dentro da igreja em chamas e a maior parte do grupo morreu em seguida, um ou dois sobreviventes decidiram dar no pé, deixando 3 bruxas vivas e nem olhando para trás.
Com o fim do módulo, os jogadores seguiram o jogo, mas tendo que lidar com um apocalipse de gelo nas sessões seguintes (eles conseguiram resolver esse problema) e caçar as bruxas sobreviventes depois (conseguiram achar 2) mas a líder fugiu e ninguém sabe o paradeiro dela até hoje.
E foi isso. Como deu para notar, é um módulo curto, mas rico de possibilidades que pode dar um grande relato de jogo. Eu não esperava que ficasse tão grande. E certamente não está completo, faz um ou dois anos desde que jogamos esse módulo.
Enfim, módulo super recomendado. Longe de ser perfeito e não bem D&D clássico, mas uma boa aventura de horror gore. Até a próxima e bons jogos.
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