Sobre sistemas robustos em OSR (Saboreando o pecado do excesso)
Estava tendo uma conversa no JACA sobre o sistema ACKSII e me rendeu algumas reflexões sobre o tema de sistemas robustos em OSR. Daí decidir condensar e organizar essas ideias e repostá-las aqui.
Por ACKSII ser um sistema que cobre todos os elementos originais do D&D que nem o D&D cobria bem (Não em seus core books, pelo menos. E especialmente não tão bem coeso com as regras principais como ACKS faz). Então é um sistema que serve pra todos os gostos pela amplitude de tópicos que aborda.
As pessoas costumam se assustar com o sistema achando que é um material que precisa ser usado todo ao mesmo tempo, assim como se confundem e também se assustam com as ofertas que AD&D1e oferece. Mas não é bem assim.
Cada parte de progressão do jogo (que podem durar inúmeras sessões por si só) tira proveito de uma parte específica das regras.
Quando a campanha começa, o jogo é igual, ou bastante semelhante, pois as práticas de jogo variam, a todos os outros retroclones de B/X. ACKSII é ais robusto, sim, mas cobre basicamente as mesmas bases que B/X, com os mesmos procedimentos, mas detalhadamente mais explicados que responde àquelas perguntas que aparecem em todas as mesas de b/x mas que nunca são respondidas pelo texto.
Posteriormente, quando os personagens chegam ao "level name" (aquele momento em que o guerreiro recebe o título de alguma autoridade ingame e pode "comprar" terras e constroir um forte, o mago uma torre, o ladrão guilda e etc) aí o jogo muda de figura. Outras mecânicas entram em jogo (muitas vezes até abandonando as mecânicas do jogo inicial, ou acrescentando, dependendo do gosto do freguês, mas afetando drasticamente como se joga). Os jogadores começam a conquistar terras, construir fortes e juntar exércitos ao invés de saquear tumbas, matar monstro e se perder nos ermos.
Mais adiante com a campanha bem amadurecida, após mais diversas sessões, o jogo muda de figura novamente. Nesse ponto, quando os jogadores já conquistaram suas terras através da força, ou alianças, vão então reger seus reinos construídos/conquistados e lidar com questões políticas mais avançadas.
Por isso que defino que são jogos dentro do próprio jogo. Pelo fato de serem mecânicas e práticas diferentes em momentos distintos da campanha.
O autor do sistema diz que prefere pecar pelo excesso do que pela falta no que concerne às regras do jogo. E isso ele faz muito bem e é uma filosofia chave para o jogo dele. Isso é facilmente notado se pesquisar o tanto de suplemento e módulos criados para a primeira edição de ACKS e como isso foi polido e expandido na segunda edição. Ele explica tudo que faz em minuciosos detalhes. Dá para notar a paixão e investimento que ele coloca em seus projetos. Mas que sempre pecam pelo excesso, como ele mesmo diz. Essa é a queixa principal que vejo e que é uma das poucas sensatas sobre o trabalho dele. E é escolha consciente dele em manter o jogo dessa forma.
Antigamente, para mim foi excepcionalmente gratificante encontrar sistemas leves e enxutos de D&D. Sem essa "sorte" eu não seria nada investido no hobby, jogaria minha edição moderna de D&D sem ter que ver absurdos propagados online sobre o tema. Seria uma caso bem aplicado de "ignorância é uma bênção", Mas aqui estou e LL, LotFP, OSE, S&W e etc me ensinaram muito sobre as belezas do D&D oldschool e como o jogo faz sentido quando aplicado nos preceitos que se originaram. Ainda gosto muito desses sistemas (especialmente S&W e LotFP), são excelentes para determinados tipos de jogatina. Mas ao mesmo tempo são sistemas que exigem um conhecimento prévio de como o D&D clássico funcionava paro jogo ser realmente fluido e bem arbitrado.
Quando a pessoa vem de sistemas modernos (como eu, lá atrás eu jogava 3e), ela sofre muito para conseguir fazer escolhas razoáveis na hora de cobrir um ponto que as regras não cobrem. Especialmente se seguir conselhos de especialistas de "uma semana" de hobby ou de alguns gurus com podcast e canal de youtube por aí que adoram pregar sobre como se joga D&D descolado, moderno e ao mesmo tempo "OSR". Claro, inventar um "role com vantagem", um "atributo de sorte" é fácil, mas isso soa estranho demais no jogo clássico.
A dificuldade dos autores desses retroclones em expressar como cobrir essas lacunas é bastante clara (porque muitas vezes nem passava pela cabeça deles que alguém não saberia arbitrar coisa simples de D&D. Mas são coisas simples para eles, que já jogavam a décadas e todo o necessário para se jogar o jogo já estava bem absorvido). Um truque que aprendi e uso até hoje é, se não está nas regras, pegue uma regra dentro do próprio jogo e altere para aquela situação e seja consistente a partir dali. Se precisar mudar, que seja por algo mais fiel ainda ao jogo e sempre avise aos jogadores. É por isso que o conhecimento mais amplo sobre o D&D oldschool é importante, não apenas o sistema que se usa.
Então, ter um sistema robusto e completo, bem feito e por quem entende, tem sido essencial para mim. Mesmo que seja um sistema mais pesado e trabalhoso para destilar os detalhes e aplicar na prática. Essa prática hoje me ajuda demais, porque além de aprender sistemas mais completos sobre as abordagens que gosto em D&D, ainda me ajuda a arbitrar melhor os sistemas mais simples que aprendi a gostar em OSR e derivados. Mas aí você, caro leitor que lê cada detalhe e esmiúça cada errinho gramatical e alguma afirmação com abertura a interpretações delirantes só para me xingar de (insira seu sinônimo de reacionário aqui) me pergunta: "Mas eu parei de jogar 5e porque não quero sistema complexo, quero ler sistema de uma página e jogar 3 anos sem precisar de consultar outras coisas" Daí meu caro, sinto muito, não existe milagre em RPG, só os que os clérigos fazem mesmo. Mas, falando sério, há uma visão errônea de que OSR é sinônimo de sistema simplório e minimalista e eu entendo que muita gente se aproxima do OSR porque é preguiçoso, não tem tempo para aprender sistema robustos ou só quer tretar com ideologia política. Para esses, infelizmente minha experiência não serve, pois meu estilo de jogo exige investimento, preparo e, essencialmente, jogar o jogo. Mas tudo bem, a diversidade no hobby é importante. Não precisamos jogar nas mesmas mesas (mas sim jogar, né gurizada?) para respeitar um o estilo do outro.
O D&D moderno, é sim cheio de regras, mas para um estilo de jogo completamente diferente. OSR começou não para ser simples, mas sim para resgatar um estilo de D&D clássico, com regras e filosofia diferente de jogo. Não que seja exigido ter poucas páginas, isso é só uma interpretação mais "moderna" de OSR, por mais incongruente que isso possa parecer (e é muito pior do que isso, na real)
Então, quando procuro sistemas e mecânicas mais robustas, não é para deixar meu trabalho fácil de imediato, a curto prazo. É para deixar ele mais fácil e melhor a médio e longo prazo. Os grandes do hobby respiram D&D a literalmente meio século, não tem como nós, meros hobbystas de um quarto de década ou menos, entender e praticar tudo que os bons e velhos grisalhos fazem em mesa tendo como único recurso um livreto artpunk com cores saturadas e meia página de regras, com a outra metade reservada para um goblin torto gritando "fuck nazi" em letras garrafais. O jogo exige esforço, mas com o intuito de facilitar sua prática de jogo depois.
Para citar só um exemplo pessoal de como saber que existe regras e como aplica-las e adaptá-las quando necessário facilita seu jogo, foi como ACKS me ajudou um tempo atrás em uma questão não coberta pelo livro do sistema base de minha mesa (No caso, pasme, AD&D1e) O jogador quis fazer uma plantação. Eu lembrei que no livro By this Axe (ACKS) continha uma regra sobre plantação em subterrâneo. Fui no livro, achei a página, reli a mecânica, simplifiquei para o que eu queria e apliquei. Saiu tudo certinho, foi bem útil e o jogo seguiu bem. Sem ficar aquela sensação estranha de que a arbitragem ficou ruim, que precisava de atualização por ser resumida ou fora do ponto demais.
Por isso eu digo e repito: Sendo mestre ou jogador, temos que ter a humildade de parar de querer achar que temos o dom e sabemos de tudo sobre mestragem. Precisamos ter paciência em aprender com os grandes. às vezes é bom pecar pelo excesso, pelo menos na hora de aprender. Isso torna o nosso jogo e o proveito que os outros tiram dele muito melhor.
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