[Módulo] Minha experiência com o melhor módulo já publicado (Castelo Xyntillan)
Castle Xyntillan foi uma revelação para mim. Foi o primeiro módulo que li que vi na prática a possibilidade de um módulo ser bem escrito, conciso, com layout perfeito (não consigo pensar em um melhor) e que não perde em absolutamente nada para os módulos clássicos, inclusive, chega a ser até melhor que alguns de seus pares.
Não sou o primeiro a dizer isso, mas CX é o melhor módulo que já vi. Não necessariamente melhor aventura, não necessariamente melhor tema, mas melhor módulo. É um conjunto de características que o colocam lá no alto das minhas opções. tanto é que já voltei várias vezes nele, inclusive para mestrar outros módulos. Tem sempre alguma coisa nele que é útil como referência para outros.
Mas antes de descrever as minhas experiências com o módulo, vamos primeiro dizer o porque ele é tão bom:
Castle Xyntillan é uma kilodungeon (?) lançada não somente como homenagem direta ao clássico Tegel Manor (originalmente seria uma versão atualizada do mesmo, porém, um acordo do autor com a Frog God Games não vingou. Então parte dele foi usada na versão expandida de Rappan Athuk e o resto virou CX ) mas como uma evolução. Sim, houve outros módulos posteriores que "copiaram" a mansão inabalável da Judge's Guild (Castle Amber, Cursed Chateau), mas nenhum teve tanto sucesso em superar o original quanto CX.
A premissa é genial e simples: uma mansão (que na prática é uma amálgama de vários estilos arquitetônicos colados em um castelo bizarro), cheia de corredores, aposentos e segredos, habitada por uma família de mortos vivos malucos, com todos os clichês possíveis que só fazem sentido no estilo do OD&D (tanto que o módulo foi feito para ser usado com S&W) quadros amaldiçoados, mortos-vivos tagarelas (aqui esqueletos tem moral e batem o maior papo), armadilhas absurdas e aquele clima entre o bizarro e o cartunesco. À primeira vista parece “mais do mesmo”, mas quando se explora suas intrigas fraternais, seus corredores escuros e suas interpretações dos monstros clássicos e tesouros fantásticos, na prática se revela um dos melhores trabalhos (ou para mim, o melhor) já feitos nesse cantinho tão maluco quanto do hobby, justamente porque entende o que torna esse tipo de aventura jogável e divertida.
Ao contrário de tantos “remakes” bunda de módulos clássicos que se colam na nostalgia dos neymares consumistas do hobby (saudades do que nunca viveram) que caem no erro comprar qualquer porcaria com uma capa estilo módulo TSR só para se sentirem descolados e sábios. eses módulos nada mais são do que versões infladas com descrições inúteis (páginas e páginas sobre informações inúteis ao jogo jogado e convertidas para sistemas igualmente inflados que de oldschool só tem a estética superficial), Xyntillan acerta em cheio no que interessa ao jogo. O autor pega o minimalismo exagerado de Tegel, que se resumia praticamente a listas de monstros, e npcs e expande o suficiente para ser divertido de ler, mas rápido e prático de se sair jogando já de cara (mas sem o excesso de bullet points e resumo excessivo que capam as aventuras modernas "OSR" como se vê muito em OSE).
O texto é sucinto, mas faz a criatividade borbulhar: em uma linha já dá material para o mestre visualizar a cena e improvisar, sem precisar gastar meio minuto lendo parágrafos durante a sessão. A estrutura é simplesmente perfeita para isso, você lê o texto na medida em que os jogadores exploram, as informações se dividem entre conteúdo geral que eles notam à primeira vista, com especificidades separadas mais abaixo, em bullet points, para serem lidos à medida que eles decidem explorar individualmente os elementos da sala. Os títulos para cada sala estão em negrito, destacando também os elementos importantes, as notas fazem referência a outros pontos do livro, facilitando a procura e indicando aonde no livro encontrar os detalhes adicionais. O resultado é um livro que te faz voar como mestre, sem travar a sessão com procura de detalhes escondidos em parágrafos gigantes (como os famigerados paredões de texto dos módulos clássicos, os de Arden Vul e deste blog que vos fala)
O conteúdo, apesar de não ser do gosto de todos por ter muitos elementos considerados "Gonzo" ou "estranho" para os padrões modernos e edgys de dnd, brilha a seu próprio modo. Mesmo para mim, que não tenho esse estilo apresentado pelo livro como o meu preferido, passei a apreciar muito essa atmosfera de jogo. As salas são cheias de encontros memoráveis e armadilhas clássicas bem executados. Soldadinhos da guarda esqueléticos que cantam, bebem e soltam a "lingua" fácil se pressionados, utensílios domésticos que não podem te ver que já se empolgam em te cortar se te veem, estátuas mal educadas que te ofendem ou recompensam dependendo de como são tratadas, pombos gigantes vindo direto do inferno (!!!), e muito, muito mais. É o tipo de coisa que parece boba (é claro que teria isso enterrado aqui, é obvio que esse vampiro é sensual), mas que na prática raramente aparece de forma tão fluida e que parece fazer parte e não ser forçada. São clichês muito bem usados e apresentados, funcionam como pistas culturais que fazem os jogadores se sentirem espertos.
Além da dungeon que é um castelo de design labiríntico, claustrofóbico, criativo, e diversificado com um mapa cheio de anotações sobre iluminação, som e detalhes do ambiente , que ajudam demais o mestre a dar vida ao cenário de forma prática. O livro, tanto em pdf quanto a versão física, vem com mapas do contorno externo do castelo, para facilitar o mapeamento do mesmo feito pelos jogadores (todos os módulos deveriam vir com isso, na real). Isso facilita e estimula demais os jogadores visualizarem o local e consequentemente se animarem a mapeá-lo eles mesmos. Os tesouros, que não são tão extensos como o absurdo Arden Vul, mas que também fogem do banal, misturando itens mágicos únicos e objetos estranhos que instigam por experimentação. Os únicos defeitos do livro é a falta de um hex da região (nem é defeito, mas mais porque no Tegel Manor original tinha) e o de que, quando você vai mestrar e os jogadores começam a ser criativos logo na entrada, você sente falta de uma visão externa do castelo. Os jogadores que buscam entradas alternativas nos andares superiores, como janelas, em torres, fica faltando aquelas referências visuais tão necessárias em dungeons externas para os jogadores terem ideia de onde estão se metendo antes de cruzar a porta da frente.(depois que eu mestrei minha maior campanha nele, achei um excelente mapinha do telhado e da região em volta, feito por fã mas no texto original infelizmente faltou)
O livro também traz (sem mapa) uma vila como base de operações dos PCs. É impressionante como o texto (com poucas páginas) te traz o absoluto essencial de informação para cumprir o seu papel: NPCs, tavernas, com uma tabela para contratar ajudantes (com uma tabela sensacional para deixá-los únicos de uma forma bem simples), um clérigo para te curar, vendedores e usuários de magia para te auxiliar na empreitada, ganchos discretos que podem se tornar objetivos principais (como o membro ainda vivo da família que se sente culpado pelo legado da família), mas sem se perder em descrições banais ou genéricas.
Vi tudo isso na prática quando decidi comprar o livro (sim, esse vale muito à pena) ler e praticar toda a sua beleza em mesa. O livro é tão bom, que você não precisa nem de ler tudo antes de jogar. Basta ler a parte introdutória, a parte final com os membros da família, suas motivações e os monstros. Daí em jogo vai lendo as salas à medida que os jogadores avançam. Funciona perfeitamente bem e é inclusive indicação do autor. Me surpreende esse módulo não ser mais popular por aqui (só que não. Brasileiro é tão peculiar que nem brasileiro entende.).
Eu mestrei esse módulo 3 vezes em 3 situações bastante diferentes com grupos bastante diferentes (as 3 vezes usando OSE).
A primeira vez foi com uma galera desconhecida online. Gente acostumada com narrativismo e aquele fetiche de tentar se embrenhar na vida doméstica de monstros (não pergunte). Essa vez foi bastante curiosa. Meu objetivo era fazer campanha, então deixei os jogadores soltos na cidade das montanhas que o livro proporciona. Usei o conteúdo do livro, adicionei um ou outro NPC ali e a trama desenrolou. Foi uma sessão bem "moderna" mas que o grupo mostrou na prática a força do módulo (mas que hoje é o tipo de sessão que eu evito fazer. Isso foi em 2020 e me dá pesadelos até hoje com os "quero seguir essa criança até na casa dela para ver se ela tem realmente contato com a guilda dos mendigos"). Na sessão seguinte eles foram no castelo em si, para mim foi excelente. Eles tinham um objetivo principal, exploraram o local e experimentei a prática do principal do livro. Mas a veia narrativista deles era muito forte e eu era fraco. Gastaram mais tempo fazendo amizade com esqueleto do que jogando o jogo. Depois disso disseram que preferiam continuar jogando curse of strahd na 5e, porque lá eles podiam fazer teste para catar graveto na floresta (sem piada). Então eu aceitei a derrota. Mas aceitei também que esse módulo foi um achado.
A segunda vez que mestrei, não foi muito tempo depois. Por sorte, achei um grupo animado que rendeu uma campanha. Não muito grande, especialmente se comparada às minhas atuais (tanto a que mestro como as que jogo) mas rendeu 18 sessões. Essa foi bem da hora. A galera explorava mesmo o castelo, tentava enganar os moradores, corriam igual scooby doo de sombras malignas e mulheres bode. Explodiram um poço, tomaram uma surra de pombos infernais, conseguiram um loot bom, tomaram tpk de bandidos, foi memorável. Infelizmente a galera depois se debandou e finalizamos por ali. Mas foi a melhor.
Já a terceira foi uma oneshot com uns colegas que nunca jogaram RPG na vida. Estávamos sem o que fazer, peguei o livro, e começamos a jogar. Foi de cara no castelo. A sessão foi simples, "entrem, peguem essa joia da herança nessa torre, volte e entregue para o cara estranho de capuz na taverna que pediu" Claro, não fizeram o objetivo, entraram quebrando o pau e foram sumariamente dizimados, mas não antes de perceber que os interesses ali dentro não eram nada uniformes e que o barril de polvora familiar só estava esperando a ser aceso. Foi divertido.
Tirando essas vezes que rolaram jogo de fato no castelo. Eu ainda abro o livro e uso a vila, os vendedores, os items, direto. A tabela de contratar retainer faz parte essencial da minha lista de ferramentas. E sempre quero mestrar Xyntillan de novo. Só espero a oportunidade (talvez fim do ano role de novo).
Como já deu para, sou suspeito para falar, pois sou fã de tudo de RPG que o autor (Gabor Lux) produz. CX é, na minha opinião, ainda, depois de 5 anos jogando e usando, o melhor módulo publicado na cena OSR (geral, não só na clássica). Tem a densidade certa para anos de campanha, mas sem perder a beleza fantástica e curiosa que caracteriza o estilo clássico e gonzo do OD&D. É extremamente divertido, cheio de personalidade, imediatamente jogável e, acima de tudo, feito para ser usado em mesa (como descrevi nas minhas experiências acima), não apenas para ser lido. Altamente recomendado.
"os jogadores que buscam entradas alternativas nos andares superiores, como janelas, em torres, fica faltando aquelas referências visuais tão necessárias em dungeons externas"
ResponderExcluirsim, do grupo que resolveu fazer o mais difícil e dar toda uma volta, pra escalar a sacada que era virada pra um rio com jacarés ou algo assim, ao invés e só ir e entrar pelo portão principal