Um ano de blog. Uma reflexão.



Hoje o blog completa um ano. Sim, um ano de conversa fiada.

Digo isso no melhor sentido possível. Desde o início deixei claro que aqui não é academia, não é lugar para estudos profundos, filosóficos e sérios sobre RPG de mesa. Também não é local para marcar em pedra as verdades absolutas do universo, ou que siga as normas técnicas para se tirar nota máxima na  redação do Enem. Muito menos um manual prático e universal do RPGista brasileiro. É só um espaço pessoal para expor minhas opiniões (bastante específicas) sobre o RPG de mesa, especialmente o estilo oldschool de jogar D&D.

Nunca escrevi pensando em agradar leitor, quem vê meus críticos por aí (ou até aqui se observar alguns comentários nos textos) já percebeu. Não me preocupo em ser excessivamente claro (perco o sentido, mas não perco a piada); quem se interessa de verdade pelos temas aqui apresentados puxa os fios, faz suas próprias pesquisas e se aprofunda por conta própria. Discordâncias sempre existirão e isso é saudável (o que não é saudável é taxar o coleguinha de "ista" só porque discorda do que ele diz). Se você lê o blog,  mesmo sem concordar e sem a pretensão de tirar trechos de contexto para provocar a fúria dos moralistas das redes sociais, já brilhou hoje.

Eu comecei o blog inicialmente apenas como repositório de textos que postava em servidores de Discord e incentivado pelo conteúdo do excelente dustdigger, que traduz e divulga material oldschool vindo de fora. Segue minha coletânea dos textos mais relevantes que vi por lá. Essa iniciativa trouxe algumas reações boas e outras nem um pouco gentis, mas mostrou o quanto há desinformação e alienação na comunidade brasileira sobre D&D oldschool. Decidi tentar também contribuir da melhor maneira que sei: escrevendo, elogiando o que considero relevante e criticando o que vejo como profundamente equivocado ou irrelevante a partir da experiência que adquiri durante os anos lendo, jogando e acompanhando a cena gringa (pela experiência que eles tem de mais de 50 anos jogando, articulando e produzindo material).

Claro que isso incomoda. Quando se questiona “estilos”, “produtos” e pretensiosas bandeiras sociais que se dizem oldschool sem o ser, surge resistência. Mas me sinto orgulhoso ao notar que tem gente  quem lê, comenta e tira proveito dos textos, mesmo só citando o conteúdo indiretamente, sem divulgação direta em redes de esgoto como o Reddit. Ver gente replicando recomendações ou citando ideias discutidas aqui é sinal de que o aprendizado está acontecendo. Devagar, mas está.

O que importa é o legado: mais pessoas conhecendo o CAG, entendendo o que de fato é o D&D , a diferença entre OSR clássico e moderno, percebendo que NSR é outra coisa completamente diferente, entendendo que storygame não é oldschool e vice versa, descobrindo AD&D 1e através do OSRIC ou pelos livros originais e vendo que não é tempo mal investido, muito pelo contrário. É gente lendo o Quickprimer sem distorções feitas por oportunistas e conhecendo como os desenvolvedores gringos criam, testam, jogam e produzem, para que possamos aprender a produzir melhor por aqui.

Infelizmente, tanto no que concerne o OSR clássico,  quanto a(s) maneira(s) de se jogar o D&D oldschool como era apresentado nos manuais originais (a exemplo, o que o CAG busca), ainda estamos engatinhando. A fortíssima influencia do OSR moderno e derivados (NSR, Artpunk, O5R, Minimalismo e Storygames em geral), pairam sobre nós do Oiapoque ao Chuí, se chamando de OSR, estilo antigo, velha escola e etc desde meados da ultima década. Até uns anos atrás, parecia não haver alternativa. Quem quisesse saber mais do conteúdo verdadeiro da velha escola, precisava saber inglês, e garimpar vários fórums e módulos antigos, quebrar muito a cara online, antes de achar comunidades com as propostas alinhadas a esse estilo de jogo.  E por aqui,  se depender de alguns, o intuito é que tudo se permaneça inalcançável. 

 O que tenho observado é que isso se dá à arrogância de alguns “designers” sem prática real mas que querem a qualquer custo ter material publicado; o oportunismo e pressa de alguns "influencers" de se tornarem relevantes, ganharem um troco fácil e formarem seus pequenos cultos; a preguiça de pesquisar e estudar antes de se afirmar como conhecedor inquestionável do tema e o tribalismo incapaz de autocrítica e retificação,  freiam nosso crescimento no que tange o D&D Oldschool.

Não é vergonha admitir que lá fora a compreensão sobre o jogo seja bem maior. Eles tem mais bagagem, mais tempo de hobby. Tem gente ali que joga desde 1975. E "lá fora" não é somente os EUA. É todo um mundo de entusiastas do hobby. Tem autor muito bom na Hungria, na Holanda, na Finlandia, na Inglaterra, Alemanha e diversos outros países. Então quando alguns "autores" imunes a críticas por aí começam a babar  dizendo que é "viralatismo" reconhecer a qualidade de fora e criticar o que é produzido aqui, não é algo tão simples. Convido a quem fala isso comparar um módulo de qualidade produzido por autor competente de fora com literalmente qualquer um produzido por aqui. Se não conseguir notar as discrepâncias gritantes em  qualidade de conteúdo e entendimento do jogo e reconhecer como elas importam no produto final, precisa estudar mais, jogar mais e usar mais módulos em mesa. Vergonha é se fechar em sua própria bolha de influência e fingir que está no topo do mundo, que está pareado no mesmo nível de qualidade de quem produz mais e melhor. 

 O que proponho é estudo,  diálogo e prática. Para mim, aprender envolve observar quem sabe mais, ler bastante material feito por gente que sabe sobre o tema, jogar, testar, se auto avaliar, se auto criticar, reconhecer que outras pessoas também dão feedback útil (especialmente quem não só elogia) e só depois desenvolver algo para a venda. Mas muita gente prefere abrir canal no youtube, podcast, lançar módulo sem dominar as regras, montar comunidade e vender (caro, diga-se de passagem) fórmulas mágicas (escrita em runas e lingua dos anjos). Claro, produzir para seu próprio grupo e sua mesa sempre é o esperado. Mas essa galera esquece que o ponto central do hobby é bem simples: jogar o jogo, com seu grupo, sua diversão. Sem lives, sem merchandising, sem pedir bênção a seu influencer de estimação. É você e seu grupo apenas. 

Só comento o que observo. Claro, não tenho acesso a tudo, apenas as partes do hobby que frequento. E decidi me abster de vários locais recentemente, pois chegou  a um ponto em que nada que era dito era em prol do jogo. Se falava do jogo, mas nada com o propósito de jogar. Pareciam discussões sobre coisa nenhuma, sem propósito. Chega um ponto em que é melhor canalizar a energia em algo que possa dar algum fruto. Então escrevo por aqui mesmo e no JACA. Para quem se interessar, sentar e refletir sobre o que escrevo e sempre ter a possibilidade de argumentar de volta sem ser censurado por motivos vis. Não precisa concordar. Apenas refletir e procurar esclarecer depois. 

E vale lembrar, não é porque eu prego um estilo de jogo, um estilo de material que considero de qualidade, que os outros sejam ruins e que você joga errado. Existe inúmeras maneiras de se jogar, inúmeros sistemas que são feitos para essas formas de jogar que não são bem oldschool, mas que continuam válidas, desde que sua mesa e você se divirta. Mas precisa-se dar nomes aos bois. Não saber classificar o tipo de jogo que você joga, só favorece a alienação geral e dificulta que você e seu grupo façam escolhas conscientes do que e como estão jogando. 

Independente disso, as postagens por aqui andam menos frequentes, eu também percebi. Não tem nada diferente acontecendo. Acredito que esse processo seja natural. No começo há muito a se dizer, depois parece que tudo já foi falado. Mas vez ou outra surge uma novidade, surge um assunto que considero relevante (ou repeteco sobre mais do mesmo). 

Quando surgir algo que considero relevante, volto a escrever. Pode ser amanhã, pode ser daqui a um mês. Pelas visualizações eu sei que tenho leitores que sempre retornam. Espero que seja gente que realmente gosta de ler os textos. Mas não nego que até quem gosta de me odiar acaba tirando proveito e  isso me satisfaz igualmente. 

Obrigado a todos que acompanham. Boa leitura e bons jogos.


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